quarta-feira, 5 de julho de 2017

REVOLTA ESTUDANTIL NO CURADOR





(José Pedro Araújo)

            Estávamos no início do governo militar que comandaria o país pelos 25 anos seguintes, quando chegou à cidade um jovem juiz de direito para assumir os destinos da comarca. Seu nome, José de Ribamar Fiquene, cidadão tranquilo, amante das letras e das artes, logo nos brindou com duas das coisas mais importantes que se pode presentear a um cidadão: o acesso à justiça e uma educação de qualidade. O acesso à justiça foi feita através do emprego efetivo da lei, e à educação quando fundou na cidade o um ginásio, o curso normal e o curso de contabilidade. Fiquene criara o hábito de abrir escolas por onde passava, proporcionando o acesso à educação aos estudantes que não possuíam recursos suficientes para se deslocarem para outras cidades onde pudessem dar continuidade aos estudos. Seu legado foi se estendo por onde passou até culminar com a fundação de uma universidade na cidade de Imperatriz. Não se sabe se apenas por gostar de gente, mas o certo é que a providência divina o presenteou com o cargo de governador de todos os maranhenses, cunhando seu nome definitivamente na história do Maranhão.
            Hoje é possível avaliar que a qualidade do ensino do nosso colégio não ficava a dever a nenhum outro, pois possuía um corpo docente que, favorecido por um conjunto de fatores favoráveis, fez com que se juntasse naquela época um grupo coeso e com profissionais da qualidade do professor universitário Hubert Lima de Macedo(história), do engenheiro Onildo Fortes(matemática),  e do próprio Dr. Fiquene(português), além de muitos outros que por lá passaram.  
            Vivíamos um tempo de revolução dos costumes, através da música e das artes. Enquanto nos Estados Unidos da América e na Europa alguns cabeludos se insurgiam à velha ordem estabelecida criando o movimento hippie, aqui no país nossos jovens pariam um novo ritmo musical, a bossa nova, que assombrava o mundo com seu incrível teor melódico e suas letras simples, mas rebuscadas.  Enquanto lá fora os Beatles horrorizavam os pais de família com suas músicas de protesto contra o preconceito e a tirania, aqui o regime militar arrochava o torniquete mais ainda, fazendo com que músicos como Chico Buarque, Caetano Veloso, Torquato Neto, Gilberto Gil, entre tantos outros, se rebelassem e gritassem em alto e bom som o slogan dos estudantes franceses que diziam “é proibido proibir”. 
            Ao mesmo tempo, estimulados pelos ventos de liberdade que vinham do exterior, quase nunca noticiado pela imprensa brasileira ajoelhada perante o regime estabelecido, um grupo de estudantes do GPD resolveu sair da mesmice e, ao acabar a aula, se organizava em marcha e descia a Rua Grande cantando palavras de ordem, como se estivessem em um desfile militar. Marchavam, falavam palavras de ordem e cantavam. Qualquer música, em qualquer ritmo. Queriam apenas sair do marasmo em que se encontravam. Era uma brincadeira simples, sem intenção de se contrapor ao regime instalado, mas o fato é que desagradou a certas pessoas com poder de mando. Naquele tempo as luzes da cidade se acendiam às 06h00min da tarde e apagavam-se às 10h:00min da noite. As tais marchas aconteciam exatamente após esse horário, passando talvez uma ideia de insubordinação. O certo é que algumas pessoas da comunidade procuraram o juiz da comarca, e também diretor do colégio, de onde se originavam as passeatas, pra reclamar da situação. Alegravam quebra do silêncio noturno.
            Chamados pelo diretor para justificar tais atos, os líderes da brincadeira responderam que não estavam provocando nenhuma desordem e, apesar da insistência do diretor para que parassem com os desfiles, continuaram a fazê-los. Prosseguiram com as marchas e alguns dias depois depois foram chamados à presença do diretor novamente. Foram advertidos de que estavam suspensos em razão da insubordinação. Apesar do respeito e da admiração que o Dr. Fiquene gozava no seio da classe estudantil, houve uma revolta generalizada no seio do alunado pelo que consideravam uma punição injusta e, portanto, desnecessária contra aqueles estudantes que só queriam se divertir, saindo da mesmice que atingia aos jovens de uma pequena cidade do interior como aquela. Mas a coisa pararia por ai, estancaria apenas no sentimento de insatisfação se alguns indivíduos de má índole não tivessem se aproveitado do ensejo para lançar sobre o juiz todo o ódio que possuíam em razão de alguma decisão contrária aos seus interesses. E assim, no dia seguinte, e em pontos estratégicos da cidade como o mercado público, o Banco do Estado e a Agência dos Correios, apareceram afixados à parede panfletos apócrifos com calúnias virulentas contra o juiz e sua família. Pessoas sem nenhum escrúpulo haviam se aproveitando do acontecido com os estudantes para derramar a sua bílis em forma de mentiras e calúnias sobre um cidadão que só havia trazido o bem para a comunidade.
            E a reação do magistrado e diretor do ginásio  não se fez esperar, caindo na armadilha preparada pelos detratores. Achando que aqueles panfletos caluniosos haviam sido escrito pelos estudantes punidos por ele no dia anterior, determinou que uma guarnição militar se deslocasse à casa de cada um daqueles rapazes com ordem para aprisioná-los, sob a acusação de terem atingido a honra da principal autoridade judicial do município. Ordem dada, ordem cumprida. Os jovens estudantes, alheios a tudo o que estava acontecendo, foram surpreendido ainda em casa enquanto dormiam.
            Foi o que bastou para deflagrar uma onda de crescente descontentamento por parte dos estudantes que, ainda nesse dia, princípio da noite, ocuparam a praça São Sebastião, a principal da cidade. Em frente a casa em que morava o juiz iniciaram um ato pacífico de protesto que entrou noite a dentro. Estava quebrado o elo de confiança que unia o jovem juiz e educador e a classe estudantil da cidade de Presidente Dutra.
            Foram proferidos muitos discursos inflamados naquela noite, até que alguém pensou em organizar um grupo para conversar como o diretor. Deste modo, uma comitiva formada por estudantes e políticos da cidade dirigiu-se à casa da autoridade e por ele foi recebida. Depois de muitas negociações ficou esclarecido que as calunias assacadas contra ele não haviam partido dos estudantes e sim de terceiros, interessados em aproveitar o ensejo para perpetrarem uma ato de vingança contra a autoridade judiciária. Dr. Fiquene deu-se por satisfeito, e o ato público que se iniciara como protesto, terminou  como uma manifestação de repúdio contra aquele ou aqueles que atingiram tão covardemente a honra daquele eminente educador que tantos benefícios tinha trazido à comunidade presidutrense.
            Os jovens encarcerados foram postos em liberdade imediatamente. Mas o clima fraterno estabelecido entre o magistrado e a comunidade estava irremediavelmente comprometido. Pouco tempo depois o Dr. José de Ribamar Fiquene foi transferido para outra cidade. Mas deixou funcionando um dos melhores colégios em que estudei e que me deu possibilidades de sair para a capital e disputar, alguns anos depois, e em pé de igualdade, uma vaga na universidade. Não apenas eu, mas muitos jovens de então são hoje profissionais respeitados e levam seus conhecimentos e saberes para várias partes deste imenso país.

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