sábado, 11 de julho de 2015

Pregoeiros de Rua


José Pedro Araújo

Da Minha infância, guardo muitas lembranças que agora, acabando de entrar na senectude, teimam em aflorar. Dentre essas, uma tem gosto, cheiro e apelo musical. Estou me referindo aos vendedores de rua, figuras que passaram da condição de anônimos absolutos ao estrelato em meio à criançada ao anunciar pelas ruas o produto de suas vendas. Trabalhando de sol a sol, esses comerciantes informais estão presentes em todas as cidades, vilas e corrutelas desse imenso Brasil, propagandeando produtos e distribuindo simpatia.

Do Curador, a primeira lembrança que me vem da minha mais tenra idade, é a do vendedor de pirulito. Já bem taludo, o garoto descia a Rua Grande anunciando o seu produto, com a sua tábua cheia de furos e repleta de pirulitos dos mais variados sabores. Pirulito, aliás, rima com infância doce e feliz. E o vendedor tinha o sugestivo nome de “Maduro”. Coisas do velho e bom Curador.

Depois vinham os vendedores de pamonha, de doce de leite, de frutas, até mesmo de lenha. É isso mesmo, vendedor de lenha. Este era de uma importância inescapável, uma vez que 100% das residências naquele tempo não possuía fogão a gás. Ficava admirado como eles conseguiam organizar a carga de madeira sobre o lombo do pobre jumentinho. Primeiro vinha a cangalha e, devidamente amarrado nos dois cabeçotes, quatro cambitos em formato de vê. Dois de cada lado. As achas de lenha eram arrumadas nos cambitos de forma tão uniforme que terminava por formar uma carga bem certinha, arredondada, os dois lados se encontrando no alto, sobre o centro da cangalha. Naqueles tempos não era possível prescindir dos vendedores de lenha. Sob pena de não se ter como aprontar o almoço.

Mas tinha também o vendedor de pão, com seus aromáticos e grandes jacás. Duas da tarde, chegando a hora da merenda, corríamos para a porta para aguardar o pregoeiro que já devia está por perto. Já dava para ouvir-lhe o grito de “olha o pão, olha o pão massa grossa, olha o pão doce, quente, saído agora do forno!”. E o pão chegava realmente quentinho, cheiroso, pronto para ser devorado com um copo de suco de limão ou de maracujá. Depois, quando apareceu o Ki-Suco, aboliram-se as outras formas de se fazerem sucos. Ki-Suco era o que tínhamos de melhor. Depois disso, com o surgimento da geladeira entre nós, ficou tudo mais fácil. A vida tomou outro rumo. Já era possível comprar picolé caseiro, dim-dim, e outras coisas geladas, em plena rua.

Um espetáculo à parte era o chamamento do pregoeiro. Alguns gritavam a plenos pulmões para anunciar o produto que estavam comercializando, enquanto outros se mantinham calados, mas acionavam uma sineta para anunciar a sua passagem. Em Teresina, por exemplo, transitava pelo centro da cidade todos os dias, um vendedor de suco gelado em pequenas bisnagas.  Êêêêê! Geladiiiiiiiiinho!!!!!, Gritava a plenos pulmões. Ficou tão famoso quanto os atores globais. Também foi garoto propaganda de algumas empresas na TV.

Em Recife, um desses vendedores de rua atuava com a precisão de um relógio Suíço. Exatamente às oito horas da noite, ele anunciava a sua passagem pela rua em que morava um tio meu. Ouvi muitas vezes o seu anúncio noite já alta, uma vez que todos os finais de semana eu visitava a casa do tio para filar a sua “boia”. Sem esmorecer, o homem descia do centro da cidade no sentido de sua casa, depois de longo e puxado dia de trabalho. “Sorveeeeeeeeete, olha o sorveeeeeeete, êêê sorveeeeete!”. Inundava a rua com o seu brado mercantil. Impossível não lembrar desse laborioso cumpridor de horários.

Certa vez, um tio meu teve que se deslocar para São Luís em busca de cuidados médicos. Quando voltou de lá da capital trazia milhões de novidades para contar. E ele, bom contador de histórias que era, nos deixava embevecidos com tantas novidades. Contava sobre a delícia que era andar de bonde, ou mesmo do grande prazer que era ter luz elétrica em casa durante todo o dia. Mas, a novidade que mais lhe me chamou a atenção, foi um certo vendedor de carvão. E ele apregoava muito bem o seu produto: “Olhaaaaa o carvão de varinhaaaaaaa!”. Dizia-se, meu tio, impressionado como em plena época da luz elétrica 24 horas, ainda tinha gente vendendo carvão pelas ruas da cidade grande.

Mas, novidade mesmo, dessas que só vem do estrangeiro, deu-se quando apareceu na cidade um vendedor de Algodão Doce com a sua máquina maravilhosa. Para mim esse dia foi mais importante do que o da chegada do homem à lua. Que tecnologia! Fiquei extasiado. Ruim mesmo era que o chumaço do gostoso algodão acabava rapidamente quando colocado na boca. Acabava tão ligeiro quando o meu curto dinheirinho.

Hoje em dia vejo os vendedores de rua calados, mudos, circunspectos, empurrando carrinhos com vistosos chapéus de sol para ampará-los da canícula abrasadora. Só dá para ouvir um tinido comportado de uma pequena sineta amarrada no alto do pequeno meio de transporte. Não se comportam mais como pregoeiros públicos. Só respondem monossilabicamente à pergunta de “quanto custa aquele ali?”.

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