Gravura NAI - Capa do Livro Apontamentos Históricos da Piracuruca |
José Pedro Araújo
A história da
fundação de Piracuruca, bela e hospitaleira cidade encravada no norte
piauiense, confunde-se com a dos irmãos Dantas, Manuel e José. Por sua vez, história e
lenda se associam e se enlaçam de modo tão intenso nesse rincão que não dá para
saber o que é verdadeiro ou o que é parte criada pela mente fértil do seu povo.
Estou para ver gente mais criativa. Pois bem, diz a tradição oral que os
portugueses Manuel e José Dantas Correia procuravam ouro na região do rio Piracuruca
quando foram aprisionados por índios antropófagos. Preocupados com o fim
iminente, rogaram à virgem do Carmo que lhe salvasse a vida e lhe fizeram uma
promessa: caso fossem libertados, ergueriam uma igreja em sua homenagem naquele
exato lugar onde se achavam aprisionados e em vias de virar um belo cozido. A
santa ouviu suas preces, libertou-os da enrascada, e ficou no aguardo do
pagamento da promessa.
Nesse ponto, a
história já estava completamente envolta com a ficção. E como a criatividade
dos piracuruquenses não tem limites, diz-se que os índios, originários da Serra
da Ibiapaba, retornaram para sua aldeia e deixaram o terreno livre para os
irmãos cumprirem a promessa. E que eles, alterando um pouco o acordado,
resolveram construir o templo em outro local, mais seguro, imune às cheias costumeiras
do rio, mas muito distante do local do cativeiro. Trouxeram gente competente para realizar o trabalho e até a
imagem da virgem do Carmo foi mantida junto ao canteiro de obras, enquanto davam início à
construção do templo. Começaram as obras de fundação no novo lugar escolhido
por eles em ritmo acelerado. E logo na primeira noite, a virgem mostrou-lhes a sua
indignação: fugiu de lá para depois ser encontrada no local
exato onde os irmãos haviam sido aprisionados. Os Dantas debitaram o fato na conta
de algum trabalhador descontente, levaram a imagem de volta e retomaram a obra. Na manhã seguinte,
novamente deram pela falta da imagem. Correram para o local da promessa e deram
com ela por lá novamente. E assim a obra foi sendo levada adiante. Mas, mal a
noite chegava, lá se ia a imagem de volta para o lugar que ela achava que o
templo deveria ser erigido. O baldrame já estava pronto, mas a imagem teimava
em fugir à noite. A resistência dos construtores chegou ao seu limite. Cônscios da
vontade da santa decidiram abandonar tudo e recomeçar a construção da igreja no
local onde ela se acha hoje, com a frente voltada para o rio Piracuruca, no
lugar denominado Sítio.
Os blocos
maciços com cerca de duas toneladas para a construção das colunas de sustentação
foram cortados e retirados da margem do rio, através de um processo
impressionante de extração e transporte. O zig zag provocado pelos cortes estão lá, como
tatuagem sobre a pedra bruta, nos imensos blocos de arenito existentes na
beira do rio. Ficou por lá como testemunha. Elevar esses pesados blocos até o alto
das colunas, também foi um feito inimaginável. Foi utilizado um complexo sistema de roldanas, peso
e contrapesos. Belíssimo trabalho deixado para a posteridade. A igreja, com o
falecimento do irmão mais importante, Manuel, ficou sem o teto durante cerca de
quarenta anos. Nada que impedisse o cumprimento da sua função religiosa. Por sua
vez, foi palco de um dos momentos mais importantes na luta pela
independência do país, quando no seu átrio, em 22 de janeiro de 1823, Leonardo
das Dores Castelo Branco leu o importante manifesto conclamando os piauienses à
luta.
O baldrame da
construção da discórdia ainda está lá para quem quiser ver. Mas alguns
historiadores afirmam que essa história da santa fujona é mais uma das lendas
que envolvem a velha Piracuruca. Afirmam que as fundações da igreja velha já
estavam lá antes mesmo dos irmãos Dantas passarem pelo constrangimento de se ver
prisioneiros dos índios. Até mesmo esse fato, a prisão, é tratado como mais um
indício da criatividade dos piracuruquenses. Mas, o fato é que os irmãos
existiram, deram início à construção do templo em intenção à virgem do Carmo, e
deixaram cerca de 12,5 km de terras como herança para
a citada santa. O jornalista e historiador Jureni Machado Bitencourt escreveu
um belo livro denominado “Apontamentos Históricos da Piracuruca”, e nele
enumera as fazendas doadas: Boqueirão, Veados, Batalha, Macambira, Montes, Perus,
Curral dos Cavalos, Pitombeira, Brejinho e Sítio. Dentro dessas fazendas, todo
o gado existente também passou às mãos da igreja.
As dúvidas
quanto a doação de todo o patrimônio elencado são muitas. A começar pela
própria certidão publicada em 1909 pelo jornal católico “O Apóstolo”, onde
consta apenas a doação das fazendas Veado e Boqueirão. Das outras, nem uma
linha. O INCRA, anos mais tarde,
dirimiu essas dúvidas. Após proceder intensa análise sobre os registros de
Boqueirão, Veados e Batalha, descendo a investigação das cadeias dominiais até
a sua origem, aceitou esses documentos como válidos.
Gerou muita
desconfiança na população também a nomeação de gerentes para administrar as
terras da santa. Pois, dizem, enquanto o patrimônio reduzia-se ano após ano, o
dos administradores crescia em proporção desmesurada. Cansado dessa polêmica, e
de olho na fortuna da santa, o bispo de Parnaíba, Dom Joaquim de Almeida, efetuou
a venda das terras com todo o rebanho. No dizer do escritor Vitor Gonçalves
Neto, no seu incomparável Roteiro das Sete Cidades, “torrou por 48 contos, em
1908, quase tudo... Deixou apenas a de Veados(fazenda), para entreter a
população”. Anos depois, o Arcebispo do Piauí, Dom Severino Vieira de Melo
anulou a venda e recuperou as terras. “Pra que é que existe o Direito
Canônico?”, graceja o autor do Roteiro. Quanto ao gado, a maior parte já havia
sido desviado.
Já sem o rebanho,
por volta de 1983 a Fazenda Macambira foi adquirida pelo Estado, através do PDRI
– Vale do Parnaíba, para assentar trabalhadores rurais sem terra. Cerca de 194
famílias foram assentadas nos seus quase 17.000 hectares. Dois anos depois, o
INCRA adquiriu por compra as fazendas Boqueirão, Veados e Batalha, situadas
hoje no município de São João da Fronteira. As três fazendas somavam 42.000
hectares, e nelas a instituição assentou cerca de 432 famílias.
Durante os
anos setenta, quando fui a primeira vez a Piracuruca, impressionei-me com a
beleza da cidade e com a simplicidade e bonomia de sua gente. Fiquei mais
impressionado ainda com as histórias contadas sobre as riquezas da santa. Anos
depois, já devidamente aclimatado à cidade, uma vez casado com uma das suas
mais belas moradoras, inteirei-me das histórias daquela boa gente e dos
desmandos praticados contra o patrimônio da virgem do Monte do Carmo. Eles
nunca entenderam e nem aceitaram o que as autoridades eclesiásticas fizeram com
a herança deixada à santa. Meu sogro, Jesuíno Sousa, por exemplo, um dos
grandes proprietários de terra da região, tendo uma de suas fazendas limitando
com a Data Macambira, afirmava exaltado que “ninguém tem o direito de vender o
patrimônio da santa. Faziam aquilo com que delegação, se a santa não havia
autorizado?”. O Estado havia acabado de adquirir a data Macambira junto ao
bispo da Diocese de Parnaíba.
Em 2007 estive
por alguns dias nas Datas Boqueirão, Veados e Batalha, para fazer um reestudo
daquelas comunidades. As áreas são contíguas.Trata-se de uma região belíssima, situada nas franjas da serra da
Ibiapaba, no lado piauiense. Ali, a pastagem natural é abundante, assim como a
água oferecida pelo rio Piracuruca e alguns dos seus afluentes. A falta de cercas no
perímetro das três fazendas facilita o acesso de rebanhos estranhos, animais estes que concorrem com aqueles pertencentes aos próprios
moradores, consumindo-se rapidamente a pastagem em razão do avultado número de
cabeças. Até mesmo grandes criadores do vizinho estado do Ceará conduzem seus
rebanhos para lá, em certa época do ano, e isso tem criado uma serie de problemas
para os assentados.
Hoje a
padroeira não possui mais o seu patrimônio imobiliário, e muito menos seus rebanhos,
que lhe rendia o suficiente para a sua manutenção. Vive dos dízimos, ofertas e
doações dos fiéis. Esta semana, por exemplo, tem início os festejos da
padroeira com duração até o dia 16/07. As festividades atraem piracuruquenses
residentes nos quatro cantos do país. São sete novenas durante o período
festivo, e no último dia, a imagem da senhora do Carmo sai pela cidade em
procissão, devidamente paramentada, com suas opulentas joias e a coroa de ouro,
cravejada de pedras preciosas, sobre a cabeça. Os leilões são o ponto alto do
evento, ocasião em a cidade toda se mobiliza em doações e arrematações. Meu
sogro, quando vivo, doava todos os anos um boi para a virgem do Monte do Carmo,
para ser levado a leilão.
Não se sabe, porém, se as “duas capelas” ainda estão sendo rezadas pelo pároco da igreja, como ficou consignado no testamento deixado pelos irmãos Dantas.
Muito bem, como sou um brogueiro e colunista venho sempre levando aos meus irmão piracuruquenses e publico tentar resgatar e renovar a história de que foi e é de PIRACURUCA, para isso venho aproveitando as fontes de muitos. De já quero agradecer pela oportunidade.
ResponderExcluirFRANCISCO DE ASSIS CARVALHO (RADIALISTA, BROGREIRO E COLUNISTAS)
Fone pra contato - (86) 9 9913 2658.
E-mail assispiaracuruca@hotmail.com
Espero que goste do que temos publicado, e ainda vamos publicar nesse espaço, meu amigo.
ExcluirCom raízes familiares em Piracuruca leio tudo que vejo sobre aquela terra tão pródiga em história e estórias. O texto está impecável. Corrija a data da reunião de adesão à luta da independência para 1823 e receba minha nota 10 +. 10.
ResponderExcluirObrigado, meu amigo. Correção feita.
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