Acordei
hoje com uma chuvinha mansa caindo sobre a cidade. Sem trovões, sem relâmpagos
e sem ventania, a água escorria pela biqueira estrepitosamente. Sensação ótima esta
que eu senti depois de alguns dias de veranico e calor. “Não vou precisar regar
as plantas”, foi o pensamento de preguiçoso que me veio incontinente. Mas, após
alguns minutos de fartura de água escorrendo pelo telhado, a chuva foi embora e
o sol deu as caras e iluminou este dia maravilhoso. Logo também fui
surpreendido com um coral de bem-te-vis que inundou o ar com a sua melodia
estridente. “Eles estão agradecendo ao seu Criador pela chuva dadivosa caída há
poucos minutos. Agradecem, sobretudo, a rega das plantas que vão produzir
frutos que vão reforçar uma longa cadeia alimentar que lhes dão sustentação”. O
pensamento me surpreendeu.
O
compositor Donaldo Santos fez um belo hino de agradecimento pela chuva caída
sobre o sertão. E agradeceu ao Criador assim: “Depois que a chuva cai no meu
sertão/os pássaros cantam alegres/ que emoção/... Chuva/ cai abençoada/molha
nossa terra arada/faz essa semente brotar frutos para a vida/faz a nossa gente
mais feliz”. Acredito que a letra da música cantada pelos bem-te-vis, que ouvi
ainda há pouco, deve ter a mesma beleza e a mesma singeleza.
Disso
tudo retiro uma lição: tenho uma vizinhança alegre e agradecida. Agradecem por
tudo ao Criador. Pelo dia que começa; pela chuva que cai, e até mesmo pelo dia
quando ele já se vai. Os pássaros tornam a nossa vida mais alegre, depois de
dias de preocupações. É só observar a melodia que vem das árvores, dos fios, do
alto, enfim. E a sua alegria também volta num instante.
Então,
por que os perseguimos tanto? Por que inventamos armadilhas para aprisioná-los,
se cantam melhor e mais bonito quando livres? O homem é realmente um ser cheio
de contradições. Desde a mais longínqua era já escravizava pessoas, domesticava
animais, engordava outros bichos, para fazer o seu trabalho, transportá-lo por
longas distâncias, ou simplesmente para consumi-lo. Aprisiona tudo que lhe é
interessante. Ergue cercas, constroem aquários, confeccionam gaiolas, tudo para
o seu deleite e encantamento. De longe isso vem sendo feito. O que muda são
somente os métodos de apreensão e subjugamento. Os índios já escravizavam os
seus oponentes e os colocava a fazer o trabalho que ele é quem deveria
realizar. Quando não os engordava para comê-los. Hoje em dia o tipo de
escravização mudou, mas os propósitos são os mesmos. Na maioria das vezes o que
mantemos em cativeiro, seja físico, seja psicológico, são aquelas criaturas que
mais amamos.
Menos
mal que o mundo também está mudando e caminhando em outra direção. Já existe em
praticamente todos os países grupos de observadores de pássaros. Isso mesmo.
Pessoas se juntam para observar os pássaros nas árvores, nos ninhos, nos
paredões rochosos, em todos os lugares, menos em gaiolas. Os chamados Bird
Watcher utilizam binóculos moderníssimos e saem pelas matas para observar os
pássaros livres na natureza. Fazem um
contraponto interessante para aqueles que querem ver os emplumados aprisionados
em gaiolas ou aviários. Aqui no Brasil já temos uma associação nacional que
congrega esses defensores dos pássaros, temos um dia em homenagem a esses
defensores da passarada e até um manual destinado aos aprendizes de observador.
Uma boa noticia para estes vizinhos tão simpáticos e alegres.
É meu caro amigo, os pássaros são realmente um lenitivo para a alma quando sabemos apreciá-los em seus habitats naturais, livres, sem limitações de espaço das gaiolas ou mesmo dos viveiros. Como você, sempre fui um observador nato destas pequenas criaturas e desde muito cedo, ainda criança, já os tratava com muito cuidado e respeito. Lembro-me que ao ver pela primeira vez um exemplar empalhado de um pequenino Guriatã, passarinho de plumagem azul, amarela e preta e de um canto maravilhoso, fiquei impressionado por longo tempo com a sua figura estática, muda, como se a sua vida tivesse sido congelada e que ali estava esperando o momento mágico de reviver e soltar seus gorjeios. Acho que hoje esta espécie já foi extinta pois ha dezenas de anos não vejo nenhum exemplar, nem mesmo em cativeiro. Quando morei no norte de Goiás, hoje Tocantins entre 1969 e 1972, tive a oportunidade de conviver com uma natureza ainda quase virgem e pude vivenciar grandes momentos em meio as matas cheias de vida. Em Belém, onde vivi praticamente toda a década de 70, meu passeio preferido aos domingos era levar as meninas ao Parque do Museu Emilio Goeldi para terem contato com grande parte da fauna amazônica alí mantida em condições bem adequadas de semi liberdade. Acho que consegui com isto torná-las respeitosas admiradoras da natureza. Um grande abraço
ResponderExcluirObrigado, meu amigo. Esta crônica foi feita para agradar pessoas sensíveis como você e que buscam na natureza um meio para superar as agruras da vida. Quem gosta de pássaros e preserva a sua liberdade demonstra, entre outras coisas, um profundo respeito pela vida.
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