quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Diário de Um Náufrago (Capítulo XIV)



NO OLHO DE UM FURACÃO
José Pedro Araújo
A tempestade varria tudo agora e parecia se mover de um lado para o outro da ilha, apontando a sua força tormentosa para onde ficava exatamente a minha choça. Furiosa, desembestada, já estava destruindo tudo, levando de roldão o que encontrava pelo caminho. Deste modo, quase não consigo sair da água. Mas, cheguei à terra firme e fui acossado pela areia em suspensão que, levantada do chão, e formando densa nuvem, cegava-me.
Um pavor crescente tomou conta de mim ao intuir que aquilo, de fato, era só o começo de uma tempestade tropical. No mínimo. Pois poderia se transformar rapidamente em algo pior: um ciclone, um tufão, o diabo a quatro. Não tinha tempo a perder e corri em busca de abrigo. Não estava de plano a morrer naquela ilha deserta. Não mesmo. Não havia lutado até agora para perecer assim. Não havia tentando levar uma vida quase normal ali, apesar da aflição e do desânimo que se abatia sobre mim quando a noite chegava, e que procurava superar afirmando para mim mesmo que tiraria tudo de letra, para sucumbir vítima de um fenômeno natural! Sem testemunhas que pudessem levar notícia aos meus sobre o meu desaparecimento, nunca. Nunca! Sempre pensei em ter os meus amigos e familiares em volta de mim, degustando o último cafezinho na minha presença. Não isso. Não isso!
A ventania, por vezes, quase me elevava do chão, e me esfregava, torcia, retorcia, deitava-me na terra quando parecia que me elevaria ao ar a qualquer instante. Estava me maltratando. Foi um tempo que mais parecia uma eternidade o que levei para chegar até a borda da mata. Mas lá a calmaria passava longe também. As árvores balançavam loucamente e algumas mais finas já estavam deitadas ao solo, tombadas e quase arrancadas pela raiz. Internei-me na mata. Precisava de uma proteção maior contra aquele fenômeno mortal.
Procurava por algo que me parecesse mais resistente, uma árvore grossa o bastante para se manter de pé, uma grande rocha, e melhor, uma pequena caverna. Este abrigo, agora o meu sonho de posse principal, sabia ser algo impossível de obter. E sem algo que me mantivesse atado ao tronco de uma árvore, sabia serem as minhas chances de escapar com vida remotíssima. Mas lutaria por isso. Precisava lutar por ela.
Embrenhei-me naquela selva maltratada, enlameada, desfolhada. Ali havia mais condições de defesa, mas via que o tempo piorava demais. Parecia até que eu estava inserido exatamente no olho do furacão. Conclui que isso que me afligia era, de fato, um furacão. Não havia outra explicação. Aliás, preciso fazer uma pausa aqui para uma explicação.
Há dias vinha imaginando em qual região do mundo se situava a minha ilha. E não tive muito trabalho para chegar a uma resposta que me parecia correta. Era certo que o navio de cruzeiro que me transportava navegava pela Ásia naquele momento, à altura das Filipinas. E, se eu estava certo mesmo, digo isso porque era noite quando me vi jogado ao mar, poderia está em uma das milhares de ilhas que existiam naquela parte do mundo. E o pior: muitas dela eram completamente desertas.
E agora a pior constatação: a natureza nesta região era instável, estava sujeita a toda sorte de problemas naturais, a começar pelas chuvas tropicais intensas e até mesmo aos furacões tenebrosos e mortais. E isso agora eu constatava. E devo acrescentar: era uma coisa horripilante, apavorante mesmo, se achar no centro de um desses fenômenos.
As árvores, como já afirmei, serviam-me de anteparo enquanto procurava um local mais seguro, se é que haveria algum por ali. Mas havia, e a prova disso é que ainda estava vivo, mesmo depois de tantos açoites, tanta areia nos olhos, tanto medo distribuído no corpo todo, mas tanta determinação também que me fazia escapar em meio ao estardalhaço daquele fenômeno estarrecedor. E como não estava enxergando um palmo à minha frente, trombei com algo que me pareceu extremamente duro, imexível: era uma grande rocha, ou um paredão rochoso. E logo senti uma diminuição muito grande na força do vento, mas ainda era grande a quantidade de pedaços de madeira, folhas e areia arremessados sobre mim ou ao meu entorno. A chuva, em especial, desabava a cântaros sobre mim. Tateando o local observei que tinha uma grande pedra a minha frente, algo que passava em muito da minha altura. Então procurei encontrar uma abertura qualquer nela que me pudesse fornecer abrigo, mas não encontrei de imediato. Mas, ao me postar por trás dela observei que me deu relativa proteção, já não sofria mais os efeitos da ventania como antes. Cai sentado no solo arenoso e esperei.
Não acho que o furacão que se abatia sobre a região fosse de uma categoria acima do nível dois, pois, caso contrário, não estaria aqui relatando a minha história. Podia até ser inferior, ou mesmo uma simples tempestade tropical. Mas era apavorante e parecia não ter hora para acabar. Fiquei ali por um tempo impreciso, mas, caso ainda tivesse comigo o meu relógio Tag Heur, que havia lançado fora assim que dei por mim naquela ilha por se achar já imprestável, ele teria marcado pelo menos seis horas de desespero, chuvas, ventos, e medo, muito medo. E quando a tempestade abrandou, ainda passei um bom tempo encostado naquela pedra salvadora, aproveitando para respirar e para conter a minha angústia.
Como estava com o rosto colado na pedra para evitar ser atingido por algum objeto voador, não vi logo que a escuridão havia dado lugar a uma claridade mortiça que ia aumentando à medida que a chuva ia diminuindo e o vento amainando. Minhas pernas também estavam doloridas e muito pesadas, e quando pensei em retroceder e me descolar da parede pedregosa, cai sentado na terra novamente, não pude mais me sustentar sobre elas. E fiquei assim por um bom tempo, chorando e agradecendo aos céus por ter sobrevivido a mais uma provação naqueles dias.
Trêmulo, depois de algum tempo sentado, levantei-me e comecei a me afastar dali. Entendia que o pior já havia passado, mas a chuva ainda persistia, apesar de agora mais amena. Sai em busca do meu barraco que, esperava, ainda estivesse de pé. Caminhava tropegamente, as pernas doíam intensamente, mas mesmo assim prossegui e logo mais já estava caminhando pela faixa de areia. Ao meu redor estava tudo devastado. O paraíso havia sido quase que completamente destruído e a praia arrasada e reduzida a uma faixa mínima, uma vez que o mar ainda se encontrava com o nível muito alto.
O que encontrava pelo caminho era destruição, galhos de árvores, lama, muita lama encobrindo a areia antes tão clara e limpa. Porquanto avançasse lentamente iam me diminuindo as esperanças de encontrar a minha rude choupana em pé ainda, pois tudo no meu caminho era devastação, sujeira e tristeza. E ao chegar ao local do casebre, vi que lá não mais existia nada. Somente o espaço vazio e revirado. Tudo fora derrubado e lançado para longe. As árvores maiores ainda estavam lá, de pé, mas pareciam agredidas por algo forte e duro que lhe havia açoitado os galhos, tal o estado em estes se achavam, desfolhados e quase todos quebrados. As menores, os arbustos, haviam sofrido mais, e a maioria havia sido arrancado pelas raízes e jogados longe, amontoados uns sobre os outros. Testemunhava uma devastação total. Não possuía mais um lugar para chamar de morada, nem roupa, nem comida, nem livros, nada que aliviasse o meu sofrimento. E isso me deixou mais abatido do que no dia em aqui cheguei. Estava novamente sem nada. Toda a estrutura que eu havia montado desabara, fora destruída em questão de segundos. E o pior. Estava sem fogo novamente. O furacão apagara a lamparina, o meu fogo permanentemente aceso. E não somente isto, levara-a para longe.
Fiquei ali sem saber o que fazer, que decisão tomar. Por horas. Mas, o sol, como se mostrasse para mim que sempre podemos contar com a esperança de momentos melhores, teimava em romper a barreira de nuvens e já lançava os primeiros raios sobre a terra arrasada. E, devo confessar, lançou sobre mim um fio de esperança também. Sempre existe a possibilidade de um recomeço, pensei. Aqueles raios ainda tenros de sol me mostravam isso.

3 comentários:

  1. Coitado do nosso náufrago! Além do seu inimigo manco e do imenso paredão de água salgada que o separa da civilização, agora um tenebroso fenômeno da natureza. E agora?

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  2. Caros Acoram e JP Araújo,
    Não mais irei interceder pelo nosso bravo náufrago e nem demonstrar piedade, pois parece que quanto mais a gente lamenta o seu destino aziago, mais o nosso romancista o castiga...

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    1. Meus caros amigos,
      O nosso náufrago sem nome está atravessando um período ruim, somente isso. Vejamos o que o futuro vai lhe propiciar de bom. Com certeza não farei como nos folhetins globais cujos mocinhos só se dão bem no último capítulo. Continuem torcendo pelo nosso protagonista azarado!

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