sábado, 25 de fevereiro de 2017

O VALIOSO TEMPO DOS MADUROS



(Mário de Andrade)

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora. Tenho muito mais passado do que futuro. Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço. Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte. Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha. Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos. Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral. “As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos”. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa… Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, o essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!

5 comentários:

  1. Mestre JPA,
    Você agora está se revelando um verdadeiro antologista.
    Você escolheu um excelentíssimo texto.
    O pior é que eu estou pior que o velho Mário de Andrade.
    Ou melhor, estou pior do que a cantiga da perua:pior, pior, pior.
    Ou do que a do capote: tou fraco, tou fraco, tou fraco.
    Ou seja, já me sinto sem passado, sem futuro e sem presente.
    Portanto, quando fizerem a chamada, responda por mim: "ausente".
    Abraço,
    Elmar

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  2. Meu caro Poeta, observo suas palavras como mais uma das suas impagáveis tiradas recheadas de comicidade, lavra da qual és um mestre também.Como observador atento, vejo-te vivendo no melhor dos teus céus e com bom crédito para um longo período ainda de conquistas e vitórias acachapantes. Estás, pois, como o Infante D. Henrique, à testa da nau capitânia e com o olhar no horizonte a ser descoberto, feito imitado pelo ator principal no filme Titanic, quando, olhando para o futuro, abre os braços da sua amada no ponto mais alto da proa. Em Lisboa, no monumento aos descobrimentos, o infante é imortalizado no concreto à frente dos seus marinheiros,tal qual estás a fazer hoje.

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  3. Mestre,
    Aceito a comparação como uma ironia.
    Afinal o Infante era um marujo que nunca navegou, muito menos por mares nunca dantes navegados.
    E eu sou apenas um marinheiro de água doce.

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  4. No meu comentário acima, por pura blague, repeti uma informação que não é exatamente verdadeira.
    O Infante Dom Henrique, dito o Navegador, não participou das épicas viagens dos grandes descobrimentos, mas é documentalmente provado que fez algumas navegações.
    Assim, como já disse em versos, eu sou aquele que rema no seco contra a corrente das águas, mas não o Infante Dom Henrique.

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  5. Nem Billy the Kidd teria sido tão rápido! De fato, o Infante notabilizou-se, entre outros feitos, pela tomada de Ceuta, na África, e fincou ali o bastião dos portugueses, permitindo novas conquistas naquele continente, e tomando frente aos Espanhóis na luta pelos descobrimentos.

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