quarta-feira, 10 de maio de 2017

Diário de Um Náufrago (Capítulo XXIX)




Um Principiante em um mar desconhecido


José Pedro Araújo


A adrenalina foi baixando à medida que o barquinho foi ganhando distância da praia sem muitas dificuldades. A vela estava estufada com o ventinho camarada que me favorecia naquele momento e eu comecei a pensar que tudo poderia dar certo. E então cheguei à primeira ilhota. Passei pela segunda e ziguezagueei até a terceira que ficava à minha direita e a transpus sem grandes dificuldades. O sol começava a se levantar em um ângulo de aproximadamente vinte e cinco graus quando eu passei ao largo da quarta ilhota. Navegava bem, mas aí o vento entendeu de ficar um pouco mais forte. Temi que ele se fortalecesse mais ainda e me tomasse o controle da embarcação. Foi apenas um susto e um aviso de que, a qualquer momento, poderia agir de forma diferente. Mas não agiu. Pelo menos, não muito. Quando o sol estava a pique, exatamente no zênite, cheguei a ultima ilha que havia visitado dias atrás. Dali para frente tudo era novidade. Eu nada conhecia. E isso também me trazia um certo receio. Parei na ilhota para comer alguma coisa e beber um pouco de água, e depois tornei e navegar. Depois de serpentear por entre ilhas, sempre no sentido do nascente, cheguei até a uma ilha maior e que possuía uma praia muito convidativa e em forma de ferradura. Resolvi ancorar ali e aproveitar a calmaria da pequena enseada para passar a noite. Devia estar próximo das quatro da tarde e a próxima ilhota ficava bem distante e não me parecia ser muito grande. Passei uma noite adorável sob as estrelas, feliz pelo que me acontecera até agora. Calculava estar a menos de um terço do ponto final. E isso me alegrava. Dormi bem, levado pelo cansaço, e acordei cedo. Antes mesmo de o sol nascer. Uma preocupação passou a ocupar a minha mente antes mesmo que eu tivesse a certeza de que estava acordado: e se o meu defunto companheiro de infortúnios tivesse programado se esconder em local cada vez mais difícil, em uma ilha mais remota ainda? Sim, porque se ele estava tentando despistar seus inimigos, nada mais lógico do que procurar um lugar de acesso ainda mais difícil. Acordei sobressaltado com essa indagação. E quanto mais me perguntasse, menos resultado obtinha para a minha dúvida.

Como diz o ditado: “o que não tem remédio, remediado está!”. Liberei a jangada das amarras e voltei a navegar, depois de comer alguma coisa a guisa de café da manhã. O sol apareceu esplendido a leste e um ventinho amigo foi me levando macio por entre as ilhas desabitadas. Somente o voo dos pássaros e o barulho de ondas batendo nas pedras costeiras quebrava a monotonia daquela manhã amarela, matizada pelos raios do brilhante sol de estio. Isso aconteceu até quase metade da manhã, porque depois disso um vento mais forte começou a soprar depois que apareceram a minha frente nuvens pesadas e ameaçadoras. Esperei pelo pior e lastimei a minha pouca sorte, pois há dias não caia uma gota d’água.

Não demorou muito e o vento já soprava tão forte que resolvei encostar a uma das ilhas em frente, mas a primeira que eu tentei não tinha ancoradouro, somente paredões rochosos a cercavam. Tentei seguir em frente, mas, a essa altura, a ventania já era tão forte que ameaçava tomar o meu barquinho do meu controle. E não amainou mais. Ao contrário, fortaleceu-se. Pensei então em baixar a vela para evitar que rasgasse, mas a lembrança me veio tarde: com um forte estalo, o tecido azulado fendeu-se de cima a baixo e se transformou em duas partes sem serventia nenhuma, açoitados, desordenadamente, pelo vento agora furioso. O barulho que os dois pedaços de pano fazia era algo desconfortável, e se traduzia em grave problema a superar. Ainda tentei segurar um deles e imobilizá-lo na armação que os sustentava, mas desisti depois de levar dois açoites violentos nos braços. Não havia outro jeito, precisava ancorar rapidamente na próxima ilha, pois uma chuva pesada começou a desabar sobre mim.

Mas, agora descontrolada, a jangada foi levada em sentido contrário à ilha que avistei tão perto. Temi pelo pior, pois ondas violentas e volumosas me movimentavam assustadoramente e me empurravam rapidamente para muito distante do meu alvo. A visibilidade também estava muito restrita, mas então pensei avistar o vulto distante de uma nova ilha que se aproximava cada vez mais de mim. Era, de fato, uma ilhota. Fora da minha rota, mas sempre uma ilha. E uma nova esperança começou a brotar no meu coração. Dai a poucos minutos de grande aflição e movimentos bruscos das ondas, vi-me em frente a uma massa escura de árvores que se aproximava rapidamente de mim e logo estava de frente a ela. Um pavor infinitivo me assaltou ao ver o paredão rochoso aparecer na minha frente, a pouco mais de três dezenas de metros.  Cuidei em desamarrar um dos remos e fiz força para me afastar dali, mas o maciço rochoso estava cada vez mais próximo. Lutei desesperadamente para não me chocar com ele e, com muito esforço, e uma boa dose de sorte, consegui fazer com que a jangadinha coleasse a borda da ilha e seguisse paralela a ela até certo meio quando então avistei uma pequena brecha naquela massa granítica: estava finalmente de frente com uma estreita praia em formato de dentadura. E, em instantes, fui empurrado pelas ondas para a areia. Fui tomado por uma alegria incontida que quase me levou às lágrimas. Estava salvo, mais uma vez!

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