Um Principiante em um
mar desconhecido
José Pedro Araújo
A adrenalina foi baixando à medida que o barquinho foi
ganhando distância da praia sem muitas dificuldades. A vela estava estufada com
o ventinho camarada que me favorecia naquele momento e eu comecei a pensar que
tudo poderia dar certo. E então cheguei à primeira ilhota. Passei pela segunda
e ziguezagueei até a terceira que ficava à minha direita e a transpus sem
grandes dificuldades. O sol começava a se levantar em um ângulo de
aproximadamente vinte e cinco graus quando eu passei ao largo da quarta ilhota.
Navegava bem, mas aí o vento entendeu de ficar um pouco mais forte. Temi que
ele se fortalecesse mais ainda e me tomasse o controle da embarcação. Foi
apenas um susto e um aviso de que, a qualquer momento, poderia agir de forma
diferente. Mas não agiu. Pelo menos, não muito. Quando o sol estava a pique, exatamente
no zênite, cheguei a ultima ilha que havia visitado dias atrás. Dali para
frente tudo era novidade. Eu nada conhecia. E isso também me trazia um certo
receio. Parei na ilhota para comer alguma coisa e beber um pouco de água, e
depois tornei e navegar. Depois de serpentear por entre ilhas, sempre no sentido
do nascente, cheguei até a uma ilha maior e que possuía uma praia muito
convidativa e em forma de ferradura. Resolvi ancorar ali e aproveitar a
calmaria da pequena enseada para passar a noite. Devia estar próximo das quatro
da tarde e a próxima ilhota ficava bem distante e não me parecia ser muito
grande. Passei uma noite adorável sob as estrelas, feliz pelo que me acontecera
até agora. Calculava estar a menos de um terço do ponto final. E isso me
alegrava. Dormi bem, levado pelo cansaço, e acordei cedo. Antes mesmo de o sol
nascer. Uma preocupação passou a ocupar a minha mente antes mesmo que eu
tivesse a certeza de que estava acordado: e se o meu defunto companheiro de
infortúnios tivesse programado se esconder em local cada vez mais difícil, em
uma ilha mais remota ainda? Sim, porque se ele estava tentando despistar seus
inimigos, nada mais lógico do que procurar um lugar de acesso ainda mais
difícil. Acordei sobressaltado com essa indagação. E quanto mais me
perguntasse, menos resultado obtinha para a minha dúvida.
Como diz o ditado: “o que não tem remédio, remediado está!”.
Liberei a jangada das amarras e voltei a navegar, depois de comer alguma coisa a
guisa de café da manhã. O sol apareceu esplendido a leste e um ventinho amigo
foi me levando macio por entre as ilhas desabitadas. Somente o voo dos pássaros
e o barulho de ondas batendo nas pedras costeiras quebrava a monotonia daquela
manhã amarela, matizada pelos raios do brilhante sol de estio. Isso aconteceu
até quase metade da manhã, porque depois disso um vento mais forte começou a
soprar depois que apareceram a minha frente nuvens pesadas e ameaçadoras.
Esperei pelo pior e lastimei a minha pouca sorte, pois há dias não caia uma
gota d’água.
Não demorou muito e o vento já soprava tão forte que resolvei
encostar a uma das ilhas em frente, mas a primeira que eu tentei não tinha
ancoradouro, somente paredões rochosos a cercavam. Tentei seguir em frente, mas,
a essa altura, a ventania já era tão forte que ameaçava tomar o meu barquinho
do meu controle. E não amainou mais. Ao contrário, fortaleceu-se. Pensei então
em baixar a vela para evitar que rasgasse, mas a lembrança me veio tarde: com
um forte estalo, o tecido azulado fendeu-se de cima a baixo e se transformou em
duas partes sem serventia nenhuma, açoitados, desordenadamente, pelo vento agora
furioso. O barulho que os dois pedaços de pano fazia era algo desconfortável, e
se traduzia em grave problema a superar. Ainda tentei segurar um deles e
imobilizá-lo na armação que os sustentava, mas desisti depois de levar dois
açoites violentos nos braços. Não havia outro jeito, precisava ancorar
rapidamente na próxima ilha, pois uma chuva pesada começou a desabar sobre mim.
Mas, agora descontrolada, a jangada foi levada em sentido
contrário à ilha que avistei tão perto. Temi pelo pior, pois ondas violentas e
volumosas me movimentavam assustadoramente e me empurravam rapidamente para muito
distante do meu alvo. A visibilidade também estava muito restrita, mas então pensei
avistar o vulto distante de uma nova ilha que se aproximava cada vez mais de
mim. Era, de fato, uma ilhota. Fora da minha rota, mas sempre uma ilha. E uma
nova esperança começou a brotar no meu coração. Dai a poucos minutos de grande
aflição e movimentos bruscos das ondas, vi-me em frente a uma massa escura de
árvores que se aproximava rapidamente de mim e logo estava de frente a ela. Um
pavor infinitivo me assaltou ao ver o paredão rochoso aparecer na minha frente,
a pouco mais de três dezenas de metros.
Cuidei em desamarrar um dos remos e fiz força para me afastar dali, mas o
maciço rochoso estava cada vez mais próximo. Lutei desesperadamente para não me
chocar com ele e, com muito esforço, e uma boa dose de sorte, consegui fazer
com que a jangadinha coleasse a borda da ilha e seguisse paralela a ela até
certo meio quando então avistei uma pequena brecha naquela massa granítica:
estava finalmente de frente com uma estreita praia em formato de dentadura. E,
em instantes, fui empurrado pelas ondas para a areia. Fui tomado por uma
alegria incontida que quase me levou às lágrimas. Estava salvo, mais uma vez!
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