quarta-feira, 24 de maio de 2017

Diário de Um Náufrago (Capítulo XXXI)




Expondo-me até me acharem!

(José Pedro Araújo)

No dia seguinte preparei a minha partida para o outro lado da ilha. Mas, antes arrastei com tremendo esforço a minha jangada e a escondi sob um aglomerado de arbustos, poderia precisar dela mais uma vez. E assim, não seria producente que alguém a encontrasse ali, disponível. Apanhei as coisas que trouxera no baú e empreendi caminho rumo ao outro lado da ilha. O fardo me atrapalhou a caminhada, de modo que demorei bem mais para chegar até ao ponto em que chegara no dia anterior. Mas, nada que me fizesse falta, pois o tempo era meu grande aliado. Agora estava eu ali, sentado e a pensar no que fazer para encontrar a minha saída definitiva daquele lugar isolado. E assim ainda estava quando, logo no começo da tarde, parti para visitar o pequeno e talvez único monte que existia naquela ilhota. Lá cheguei depois de muito esforço, pois não havia um caminho que me levasse até ele, e por isso, tive que penetrar no mato mesmo, abrindo caminho com dificuldades. Demorei algum tempo até encontrar uma rota mais ou menos ideal e, por fim, cheguei ao topo da pequena elevação. No alto as árvores eram menores, mas o cume não era propriamente um platô, ou algo parecido, como o que havia na minha primeira ilha. Mesmo assim, subi nos galhos de uma árvore mais potente, e descortinei uma vista das mais lindas que eu já vira até então: um horizonte azulado estendia-se à minha frente até perder-se de vista. Era tanta vastidão que terminava por esbarrar nas limitações normais da minha retina, e isso sem que nem uma porção de terra ou o vulto, mesmo nebuloso de um aglomerado de árvores se mostrasse visível.
Depois de alguns instantes ali, já com a vista cansada de observar aquele horizonte interminável, desci e comecei a limpar o terreno em volta daquela árvore de porte baixo e atarracado. Tivera o cuidado que trazer a ferramenta que o meu japonês usava como cutelo e ela me serviu com muita competência desde quando me esforçava para abrir caminho até ao topo do monte. Em menos de meia hora eu já tinha o meu ponto de observação. Cortei ainda alguns cipós e alguns galhos mais fortes e fiz um pequeno jirau onde eu poderia ficar sentado por longos períodos sem me cansar.
A minha ideia era a seguinte: nos próximos dias me instalaria ali e ficaria observando para ver se passava alguma embarcação ao largo. E foi deste modo que me mantive ali em cima e esperei dois dias intermináveis até avistar a fumaça de algo que contaminava o céu azul com a sua tintura escura. Meu coração disparou. Fiquei tão aflito que nem parei para pensar no que fazer. Desci alvoroçado ladeira abaixo, rompendo caminho e recebendo açoites no rosto e lanhos nos braços dos galhos das árvores que me fechavam a passagem. Mas não conseguia atentar para mais nada. E quando cheguei à praia, o navio havia sumido no horizonte. Alias, acho que era um navio, pois não cheguei a vê-lo. Só vi a fumaça negra que ele emitia. Era a minha intuição quem me dizia ser a fumaça de um navio. O que mais poderia ser? Dizia-me ainda que aquela era uma rota conhecida e usada pelos navegadores.
Passaram-se outros três dias sem que nada acontecesse. No quarto dia, ainda cedo, estava eu a descascar um coco seco para comer a sua polpa, quando ouvi o silvo emitido por algo que passava não muito distante. Era o apito de uma embarcação, um navio longo e chato que cruzava naquele momento o meu campo de observação. E estava visível a olho nu. E não somente um. Em sentido contrário passava outro mais ou menos do mesmo porte e com as mesmas características. Alguém acionara o apito do navio para cumprimentar o pessoal da outra embarcação. Fora isso o que me alertara.  Desci do meu poleiro e corri desabaladamente para a praia mais uma vez. Mas quando lá cheguei nada mais vi, nem a fumaça que deixa um rastro momentâneo atrás das embarcações cujos motores deviam ser alimentados a diesel.
Sentei desolado na areia e fiquei a me perguntar o que eu esperava mesmo que acontecesse naquelas condições. E logo me peguei a maturar sobre o que deveria fazer para chamar a atenção dos navegantes que passavam por ali. SOS na areia era impróprio para chamar a atenção dos embarcados. Mas poderia ser visto do alto, caso algum avião sobrevoasse a ilha. Faria isso. Ergueria também um mastro bem elevado e fixaria nele uma bandeira de tecido. Eu só tinha os dois lençóis brancos e uma muda de roupas. Mas, a calça poderá servir, pois era azul e chamaria um pouco mais a atenção, por ser mais visível. Se tivesse um pano vermelho seria melhor, mas não tinha.  Então resolvi partir para solucionar o meu problema.
Em pouco tempo possuía um SOS riscado na areia com letras de tamanho igual às que desenhei no chão na minha primeira ilha. E sobre um mastro de bambu de tamanho considerável passou a tremular a minha única calça, como uma espécie de bandeira, presa que estava pelas duas pernas. O vento a enfunava e a deixava com o aspecto de uma biruta de aeroporto, movimentando-a de um lado para o outro. Serviria para os meus propósitos, e isso era o que bastava.
Voltei ao meu ponto de observação e aguardei a passagem de mais alguma embarcação. Dessa vez demorou mais. Passaram-se seis dias antes que avistasse o próximo navio. Parecia algo minúsculo, um veleiro, talvez um catamarã, pois quase não o via enquanto passava ao largo. Mas eles não notaram a minha bandeira hasteada. Ou se notaram, não quiseram conferir para ver do que se tratava.
Um dia depois cruzou o meu raio de visão um navio cargueiro, grande e lento. Também não notaram a minha bandeira de pedido de socorro.  E isso me entristeceu. Comecei a pensar que somente com muita sorte alguém ia ver aquela calça hasteada naquela vara de bambu e contra um céu limpo e azulado.
E passei a me perguntar o que deveria fazer diferente para chamar a atenção de quem passava por ali. E foi então que me caiu uma ideia que vi logo que daria certo. Faria uma fogueira para emitir grande quantidade de fumaça. Isso, certamente, chamaria a atenção mais do que aquela biruta imprestável. Eu não havia me lembrado de acender o fogo desde o dia que aportara naquela ilha, uma vez que a minha mente só trabalhava com pensamentos de como me fazer notar ali. Mas, como eu havia trazido o rústico instrumento de fazer fogo do meu amigo extinto, cuidei logo de acender uma pequena fogueira com a pedra de fogo e o pequeno pedaço de metal que o japonês utilizava para formar fagulhas. Não demorou e eu já estava com um pequeno fogo aceso em um montinho de gravetos.
Material para uma fogueira bem grande não era problema. Palhas secas de coqueiro, madeira espalhada pela praia ou mesmo galhos de árvores, tudo me seria útil. Tinha de tudo e em abundância. Erigi uma enorme fogueira. No primeiro dia não passou ninguém. Aprimorando o meu pedido de ajuda, passei a jogar muitas folhas e galhos verdes sobre as chamas para obter uma fumaça negra e abundante. Subiu ao céu um espiral negro e bem visível.
No terceiro, e no quarto dia, choveu bastante e a minha fogueira apagou-se. Foi somente nesses dias que me lembrei de que não havia construído nem um pequeno abrigo para me proteger da chuva. E ela molhou com vontade os lençóis e a minha roupa também. Nesse momento eu trajava somente uma cueca, pois a minha calça estava lá em cima de uma vara para chamar a atenção dos passantes. Dormi mal nessa noite açoitado pelo frio intenso que chegou de madrugada, ininterruptamente.
Mas na manhã seguinte, antes que o dia clareasse por completo, arrumei pequenas hastes de madeira que encontrei espalhadas pela praia e fiz uma rudimentar latada que recobri com palha de coqueiro. Estava pronta a minha nova casa, e eu levei dois dias ininterruptos para terminar a sua proteção lateral. E nesses dias, portanto, não dou notícia se passou alguma embarcação.

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