José Pedro Araújo
Corria o início dos anos sessenta, quando chegou à
região a nova sandália de borracha, do tipo havaiana. E causou verdadeiro frisson em meio a população local, como
já havia ocorrido em todo o Brasil. Este artigo veio para substituir as velhas
sandálias de couro cru usadas pela população, os tais chinelos de dedo ou currulepo, no linguajar dos mais cômicos.
E o que era mais importante: poderia ser usada por todos, indistintamente.
Homens e mulheres poderiam calçá-las em todos os momentos, em todos os locais, até
mesmo para ir a festas e demais solenidades, pois se tratava de um produto da
moda universal. Mal se sabia, naquela época, que as tais “lambretas” ou
“japonesas”, como logo a população as denominou, iriam se perpetuar no gosto
das pessoas e se inserir no costume de toda a população brasileira, quer rico, quer
pobre.
Confortáveis, as sandálias tinham a vantagem também de
serem usadas até mesmo no banheiro ou em qualquer lugar molhado sem exalar
qualquer cheiro inconveniente. Além de tudo, era produzida em diversas cores,
das mais simples às mais espalhafatosas, que mesmo assim eram bem recebidas.
Mas, quem hoje em dia as encontra em qualquer pequeno
comércio, não tem nem vaga ideia de como era difícil encontrá-la no interior,
logo que a moda chegou até nós. Adquirir um par desses novos objetos de
consumo era sonho. Somente nos empórios situados nas cidades maiores era possível
encontrar as tais lambretas, e assim
mesmo por preços exorbitantes.
As pessoas mais abastadas, que visitavam a capital com
alguma frequência, logo começaram a usá-las na cidade, causando a maior inveja
naqueles que não tinham a facilidade de adquirir um par, mesmo do modelo mais
simples e barato. A marca mais cobiçada, e que logo se transformou em nome para
o produto, havaianas, possuía melhor acabamento e maior durabilidade. Ganhou
propaganda universal: havaianas, as que
não tem cheiro, não soltam as tiras e não deformam! Entretanto, com o furor
causado por estas sandálias no mercado, logo surgiram outras marcas, algumas
não muito boas e nem tão duráveis, mas que tinham a conveniência de custarem bem
menos.
Eu também me inseri entre aquelas pessoas que sonhavam
adquirir um par desse produto da moda que virou sonho de consumo de toda a
população. Ricos ou pobres; brancos, pretos, adultos ou crianças, todo mundo
queria sair por ai com uma macia lambreta
nos pés. A minha, foi um presente que ganhei do meu pai. Em uma das muitas
viagens que ele sempre fez, trouxe-me de Codó um par de sandálias na cor preta,
lindas de viver. Foi um momento de grande alegria para este jovem que também
queria sair pela cidade mostrando suas belas chinelas da moda.
No dia seguinte
me aprontei para ir ao Grupo Escolar “Murilo Braga”, calcei as minhas sandálias
novas e pisei macio no rumo da escola. Não me importei se não possuía os pés
muito limpos, nem mesmo com a situação de penúria das minhas unhas, algumas
arrancadas, e ainda por renascer, fato ocorrido nas peladas diárias que jogava
com meus colegas.
Sai altaneiro, compenetrado, com o coração cheio de
agradecimento aos meus pais pelo esforço dispensado na aquisição do meu calçado
novo. Senti-me elogiado pelo olhar de inveja dos colegas de classe e
profundamente envaidecido pelo modo como as garotas miravam os meus pés.
A alegria, entretanto, não durou muito. Logo me assaltou
grande preocupação, quando retornava da escola. Em uma das muitas paradas para
apreciar mais uma vez o meu belo par de calçados novos, vi que as bichinhas
estavam gastando na parte de trás, onde os calcanhares imprimiam maior peso
sobre elas. Que desgosto! As sandálias estavam cedendo atrás, estavam
rebaixando, gastas no primeiro dia de uso. Preocupado com a tragédia que
ameaçava minhas belas japonesas, ainda tentei caminhar na ponta dos pés por um
bom trecho do caminho. Mas logo me cansei e resolvi adotar uma solução
drástica: tirei as sandálias dos pés e voltei descalço para casa. Não me
preocupei com a quentura insuportável que as calçadas me brindavam naquela
hora. Que fosse isto, desde que as minhas novas japonesas não passassem mais
por aquele acelerado processo de desgaste. Dali para frente, eu só as usaria em
momentos especiais, como ir à igreja aos domingos. Ai então tomava as minhas sandálias
e saia todo convencido, flutuando macio e cuidadoso pelas calçadas, tentando
desgastá-las o menos possível.
Hoje em dia, as sandálias de borracha ganharam novas
cores e desenhos, com formatos criados até mesmo por importantes designers. São também calçadas por celebridades do mundo
inteiro e custam, em dólar, nesses países, os olhos da cara, tal como ocorreu
por aqui na época do seu lançamento. Conseguiram se perpetuar em um mundo onde
os produtos de maior consumo têm vida breve.
Hahahaha! Texto muito divertido!
ResponderExcluir