A fazendinha ficava situada nas margens da BR-226,
apenas três quilômetros a oeste da sede do município de Presidente Dutra.
Pequena para padrões amazônicos, mas muito bem situada e com uma vacada bem
cuidada e alimentada a pasto, possuía uma casa modesta, mas muito aconchegante.
Estive lá muitas vezes a convite de um grande amigo, Jean Carvalho, de saudosa
memória. Naquele local extremamente aprazível, desfrutávamos de um dia no campo
regado a alguns garrafões de vinho Sangue
de Boi. Eram dias alegres (não para as galinhas e capotes que entravam na
brincadeira apenas como tira-gosto), que começava no sábado logo cedo e só
terminava no fim da tarde. A história que vou contar, ouvi-a do meu anfitrião,
e acredito-a verdadeira, talvez com algum exagero, para dar-lhe uma pitada de
hilaridade.
Pois bem. O dono da fazendola ganhou um pombo de
presente e logo tratou de procurar uma companheira para alegrar-lhe os dias.
Conseguido o seu intento, observou com prazer que o bichinho não só havia
recebido com a maior felicidade a parceira, como recebia dela efusivas
demonstrações de carinho e amor. Passaram-se os dias, e a paixão só aumentava.
As duas aves viviam em constante enrosco amoroso e demonstravam isto com
arrulhos e bicadas carinhosas. Mas, talvez para confirmar a máxima do poetinha
Vinicius de Morais, que “o amor é eterno
enquanto dura”, o fogo amoroso do nosso dom Juan começou a arrefecer quando
apareceu, saída do nada, uma jovem pombinha desgarrada para interferir na
relação do casal. Tal aparição coincidiu com um período em que a companheira do
ingrato macho achava-se em fase de mudança das penas. Assim, cheia de canhões
em lugar das suas vistosas plumas, a fêmea havia enfeado bastante, mostrando o
branco do corpo como um careca desnuda a alvura do couro cabeludo.
Diante de tal situação, o macho logo começou a
arrastar asas para a pomba recém-chegada, não tendo nem o cuidado de esconder isso
da sua debilitada companheira que não tardou a perceber que estava sendo hipocritamente traída pelo seu irrequieto parceiro. Desesperada com aquela situação
de escárnio e desrespeito, a ave traída saiu do ninho onde se conservava recolhida
para esconder a sua feiura e foi tomar satisfações com a rival. Depois de
algumas trocas de acusações na linguagem dos bípedes, deu-lhe alguns safanões
na tentativa de expulsá-la do seu território. Mas, qual não foi a sua surpresa com
a reação do seu companheiro.
Ao ver o seu novo amor ser espancado daquela forma, o
ingrato amante tomou o partido da recém-chegada e, furioso, deu-lhe uma surra e
ainda tentou fazê-la abandonar o lar para dar lugar à outra. Foi uma cena
lamentável. O pombo, que antes viva em demonstrações de amor eterno, emitindo
arrulhos e salamaleques para a antiga companheira, agora lhe demonstrava todo o
seu desprezo e aversão. Ferida, e com o coração sangrando, a desprezada
recolheu-se ao ninho e lá ficou em lastimável estado de penúria e abandono de
fazer dó. Enquanto isto, o novo casal seguia o seu ritual amoroso sem se
importar com a pobre pomba abandonada. Construíram um novo ninho.
O tempo passou, e eis que a pomba abandonada ressurgiu
certo dia, linda, penas deslumbrantemente brilhantes, e cheia de charme. Saiu à
procura de alimento para matar a fome que a deixara mais magra naqueles dias de
extremo sofrimento e clausura. Preocupada primeiro em debelar a fome, seu
instinto natural de sobrevivência não permitiu que ela procurasse se fazer
notada pelo ex-parceiro. Mas ele, um namorador incorrigível, viu quando saiu do
ninho. E logo notou as mudanças ocorridas no seu antigo amor também. Achou-a
mais bela e sensual do que jamais achara, e admirou aquele corpo esbelto
recoberto pela roupagem nova em folha. Paquerador contumaz, logo se aproximou da ex e começou a cortejá-la com todo o seu
charme. A pombinha ainda tentou fazer-se de rogada, mais pela ânsia em matar a
fome do que propriamente por vingança ou descaso. Mas não conseguiu resistir por
muito tempo. O seu coraçãozinho balançou e ele não tardou a ver que era
correspondido fortemente. E partiu para
o ataque final. Não demorou e começou a trocar com ela beijos e novas juras de
amor eterno em longos passeios pelo pátio da fazenda.
Ai quem não achou graça nenhuma na retomada daquele
caso interrompido foi a pombinha que até pouco tempo era a nova parceira do Don
Juan. Com os brios feridos, partiu para a rival para tomar satisfações e, qual
não foi a sua decepção: o namorado, revoltado com aquela atitude intempestiva,
aliou-se à antiga parceira, e de novo o novo amor, e deu-lhe uma grande surra,
expulsando-a do pombal.
Humilhada e machucada, a pombinha sem-lar voou para
longe em busca de uma nova morada. Assim como havia chegado, partiu sem deixar
endereço. E o antigo casal, no auge do novo colóquio amoroso, nem se preocupou
com isso. Só tinham tempo para demonstrar como continuavam apaixonados um pelo
outro. Estava começando um novo affair e eles não tinham tempo a perder com a
vida dos outros.
Aquele enlace amoroso, que até bem pouco tempo
estivera estilhaçado em mil pedaços, voltara com a força avassaladora das
grandes tempestades amorosas. Precisavam retomar o que, por algum tempo, havia
sido interrompido por causa de um pequeno desvio de rota. A natureza nos prega
cada peça!Viva la vida!
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