domingo, 8 de março de 2015

DOM JUAN NO POMBAL



                                      
A fazendinha ficava situada nas margens da BR-226, apenas três quilômetros a oeste da sede do município de Presidente Dutra. Pequena para padrões amazônicos, mas muito bem situada e com uma vacada bem cuidada e alimentada a pasto, possuía uma casa modesta, mas muito aconchegante. Estive lá muitas vezes a convite de um grande amigo, Jean Carvalho, de saudosa memória. Naquele local extremamente aprazível, desfrutávamos de um dia no campo regado a alguns garrafões de vinho Sangue de Boi. Eram dias alegres (não para as galinhas e capotes que entravam na brincadeira apenas como tira-gosto), que começava no sábado logo cedo e só terminava no fim da tarde. A história que vou contar, ouvi-a do meu anfitrião, e acredito-a verdadeira, talvez com algum exagero, para dar-lhe uma pitada de hilaridade.
   
Pois bem. O dono da fazendola ganhou um pombo de presente e logo tratou de procurar uma companheira para alegrar-lhe os dias. Conseguido o seu intento, observou com prazer que o bichinho não só havia recebido com a maior felicidade a parceira, como recebia dela efusivas demonstrações de carinho e amor. Passaram-se os dias, e a paixão só aumentava. As duas aves viviam em constante enrosco amoroso e demonstravam isto com arrulhos e bicadas carinhosas. Mas, talvez para confirmar a máxima do poetinha Vinicius de Morais, que “o amor é eterno enquanto dura”, o fogo amoroso do nosso dom Juan começou a arrefecer quando apareceu, saída do nada, uma jovem pombinha desgarrada para interferir na relação do casal. Tal aparição coincidiu com um período em que a companheira do ingrato macho achava-se em fase de mudança das penas. Assim, cheia de canhões em lugar das suas vistosas plumas, a fêmea havia enfeado bastante, mostrando o branco do corpo como um careca desnuda a alvura do couro cabeludo.

Diante de tal situação, o macho logo começou a arrastar asas para a pomba recém-chegada, não tendo nem o cuidado de esconder isso da sua debilitada companheira que não tardou a perceber que estava sendo hipocritamente traída pelo seu irrequieto parceiro. Desesperada com aquela situação de escárnio e desrespeito, a ave traída saiu do ninho onde se conservava recolhida para esconder a sua feiura e foi tomar satisfações com a rival. Depois de algumas trocas de acusações na linguagem dos bípedes, deu-lhe alguns safanões na tentativa de expulsá-la do seu território. Mas, qual não foi a sua surpresa com a reação do seu companheiro.
Ao ver o seu novo amor ser espancado daquela forma, o ingrato amante tomou o partido da recém-chegada e, furioso, deu-lhe uma surra e ainda tentou fazê-la abandonar o lar para dar lugar à outra. Foi uma cena lamentável. O pombo, que antes viva em demonstrações de amor eterno, emitindo arrulhos e salamaleques para a antiga companheira, agora lhe demonstrava todo o seu desprezo e aversão. Ferida, e com o coração sangrando, a desprezada recolheu-se ao ninho e lá ficou em lastimável estado de penúria e abandono de fazer dó. Enquanto isto, o novo casal seguia o seu ritual amoroso sem se importar com a pobre pomba abandonada. Construíram um novo ninho.

O tempo passou, e eis que a pomba abandonada ressurgiu certo dia, linda, penas deslumbrantemente brilhantes, e cheia de charme. Saiu à procura de alimento para matar a fome que a deixara mais magra naqueles dias de extremo sofrimento e clausura. Preocupada primeiro em debelar a fome, seu instinto natural de sobrevivência não permitiu que ela procurasse se fazer notada pelo ex-parceiro. Mas ele, um namorador incorrigível, viu quando saiu do ninho. E logo notou as mudanças ocorridas no seu antigo amor também. Achou-a mais bela e sensual do que jamais achara, e admirou aquele corpo esbelto recoberto pela roupagem nova em folha. Paquerador contumaz, logo se aproximou da ex e começou a cortejá-la com todo o seu charme. A pombinha ainda tentou fazer-se de rogada, mais pela ânsia em matar a fome do que propriamente por vingança ou descaso. Mas não conseguiu resistir por muito tempo. O seu coraçãozinho balançou e ele não tardou a ver que era correspondido fortemente.  E partiu para o ataque final. Não demorou e começou a trocar com ela beijos e novas juras de amor eterno em longos passeios pelo pátio da fazenda.
Ai quem não achou graça nenhuma na retomada daquele caso interrompido foi a pombinha que até pouco tempo era a nova parceira do Don Juan. Com os brios feridos, partiu para a rival para tomar satisfações e, qual não foi a sua decepção: o namorado, revoltado com aquela atitude intempestiva, aliou-se à antiga parceira, e de novo o novo amor, e deu-lhe uma grande surra, expulsando-a do pombal.
Humilhada e machucada, a pombinha sem-lar voou para longe em busca de uma nova morada. Assim como havia chegado, partiu sem deixar endereço. E o antigo casal, no auge do novo colóquio amoroso, nem se preocupou com isso. Só tinham tempo para demonstrar como continuavam apaixonados um pelo outro. Estava começando um novo affair e eles não tinham tempo a perder com a vida dos outros.
Aquele enlace amoroso, que até bem pouco tempo estivera estilhaçado em mil pedaços, voltara com a força avassaladora das grandes tempestades amorosas. Precisavam retomar o que, por algum tempo, havia sido interrompido por causa de um pequeno desvio de rota. A natureza nos prega cada peça!Viva la vida!
  

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