quarta-feira, 25 de março de 2015

O CAMINHO DA BOIADA

Gravura de Percy Lau


                                           José Pedro Araújo
         Final de semana tranquilo, sem estresse, aproveitei para rever um velho e monumental filme estrelado por John Waine, chamado Rio Vermelho. Já havia visto a película pelo menos outras duas vezes. Contudo, sempre encontro motivos para me surpreender com a grandiosidade da história ali contada: o transporte de uma boiada de mais de 10.000 cabeças, por cerca de mil e quinhentos quilômetros de distância, desde uma fazenda no Texas, até uma estação ferroviária muito distante. Observando as dificuldades enfrentadas por aqueles vaqueiros para conduzir o gado irrequieto, veio-me à mente a história da nossa colonização, do desbravamento dos sertões-de-dentro. A imagem daqueles homens de coragem ilimitada, conduzindo seus rebanhos por vales e serras sem fim, enfrentando a fúria dos índios e a escassez de água e de alimento, pode encontrar paralelo na saga vivida pelo nosso colono. A história vivenciada pelos nossos antepassados para implantar suas humildes fazendas de gado, com poucas cabeças, é bem verdade, é verídica, mas igualmente difícil e tormentosa quanto é aquela do filme.



        Se imaginarmos que no período a que me refiro a população maranhense se restringia aos moradores da ilha de São Luis, aos camponeses residentes nas ribeiras dos rios Mearim e Itapecuru, próximas à ilha, e a um pequeno grupo de destemidos aventureiros que abriam novas fazendas em Pastos Bons, no distante sudoeste do estado, veremos que havia um grande vazio a ser preenchido entre os rios Parnaíba e Tocantins.



        E foi de Pastos Bons que partiram os primeiros colonizadores para fundar uma pequena comunidade nas margens do rio Grajaú, no centro geográfico do grande vazio territorial que ocupava léguas e léguas de extensão. A luta daqueles pioneiros para fincar um pequeno povoado naquele lugar isolado e distante, passou por momentos de extremo perigo. Exemplo disso encontraremos quando todas as casas do povoado da Chapada (Grajaú) foram incendiadas pelos índios que infestavam a região, matando a maioria dos seus habitantes. Deste modo, a incipiente povoação foi completamente dizimada e os poucos moradores que conseguiram escapar da morte atroz partiram para Pastos Bons. Mas voltaram tempos depois para reconstruir o lugarejo que convencionaram chamar de Porto da Chapada.



        A história relata-nos que foram travadas batalhas renhidas e sangrentas para reocuparem aquelas terras, ocasião em pereceram centenas de pessoas dos dois lados da peleja.



        Não era fácil a vida do nosso sertanejo. Diariamente tinham que lutar contra animais ferozes, contra índios guerreiros e contra doenças indesejáveis para manterem-se no território conquistado. Assim, foram se formando as fazendas de gado na região do Mearim e do Grajaú, até culminar com a criação de Barra do Corda, mérito atribuído ao grande Manoel Rodrigues de Mello Uchoa, e de outros destemidos desbravadores. Para eles, uma viagem de centenas de quilômetros em lombo de burro ou a pé - por lugares sem caminhos abertos -, era pouco mais que uma aventura de final de semana. Foi assim que os colonizadores foram ocupando os sertões-de-dentro, espalhando seus rebanhos por locais cada vez mais distantes, sempre à procura de novas terras, férteis e com a presença de água, para estabelecer seus novos currais. O gado, por conseguinte, teve importância fundamental na colonização da região central do Maranhão, como de resto havia acontecido na pioneira Pastos Bons, mãe de todas as cidades das regiões do Mearim, Grajaú, Corda e Tocantins. Foi o boi, com a sua carne muito necessária, mas também com o couro para a confecção de mobílias e indumentárias de trabalho, quem amaciou a patadas, os caminhos que passaram a ser transitados pelo homem e que, muito depois, deu origem às nossas rodovias, tal qual as conhecemos hoje.



        Bela página da nossa história é essa, escrita pelos nossos pioneiros e seus rebanhos formados pelo gado Curraleiro (pé-duro). História escrita com sangue e lágrimas, mas também marcada de grande heroísmo e vitórias marcantes. Ao homem do sertão devemos a nossa existência. Ao boi, contudo, devemos a formação da nossa riqueza, o desenvolvimento do nosso distante sertão. Esses animais foram a essência do nosso desenvolvimento porque eles mesmos se transportavam, tocados por intrépidos ginetes em razão da falta de estradas e transportes. Hoje, esses animais são transportados em grandes e potentes carretas. Acabaram-se as grandes boiadas conduzidas por vaqueiros destemidos, montados em animais devidamente paramentados com cela e pelego, com  arreios de bridas vistosas e brilhantes.



        Ainda presenciei o final dessa epopeia em que grandes boiadas eram transportadas de Goiás para São Luis ou Teresina. Presidente Dutra, no passado, era passagem obrigatória de enormes rebanhos e suas numerosas comitivas. Ficava extasiado ao ouvir o toque do berrante por aqueles peões que iam à frente da boiada, chamando o gado para retomar a longa marcha. Outros tempos. Tempos que não voltam mais.     


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