Gravura de Percy Lau |
José Pedro Araújo
Final
de semana tranquilo, sem estresse, aproveitei para rever um velho e monumental
filme estrelado por John Waine, chamado Rio Vermelho. Já havia visto a película
pelo menos outras duas vezes. Contudo, sempre encontro motivos para me
surpreender com a grandiosidade da história ali contada: o transporte de uma
boiada de mais de 10.000 cabeças, por cerca de mil e quinhentos quilômetros de
distância, desde uma fazenda no Texas, até uma estação ferroviária muito
distante. Observando as dificuldades enfrentadas por aqueles vaqueiros para
conduzir o gado irrequieto, veio-me à mente a história da nossa colonização, do
desbravamento dos sertões-de-dentro. A imagem daqueles homens de coragem
ilimitada, conduzindo seus rebanhos por vales e serras sem fim, enfrentando a
fúria dos índios e a escassez de água e de alimento, pode encontrar paralelo na
saga vivida pelo nosso colono. A história vivenciada pelos nossos antepassados
para implantar suas humildes fazendas de gado, com poucas cabeças, é bem
verdade, é verídica, mas igualmente difícil e tormentosa quanto é aquela do
filme.
Se
imaginarmos que no período a que me refiro a população maranhense se restringia
aos moradores da ilha de São Luis, aos camponeses residentes nas ribeiras dos
rios Mearim e Itapecuru, próximas à ilha, e a um pequeno grupo de destemidos
aventureiros que abriam novas fazendas em Pastos Bons, no
distante sudoeste do estado, veremos que havia um grande vazio a ser preenchido
entre os rios Parnaíba e Tocantins.
E
foi de Pastos Bons que partiram os primeiros colonizadores para fundar uma
pequena comunidade nas margens do rio Grajaú, no centro geográfico do grande
vazio territorial que ocupava léguas e léguas de extensão. A luta daqueles
pioneiros para fincar um pequeno povoado naquele lugar isolado e distante, passou
por momentos de extremo perigo. Exemplo disso encontraremos quando todas as
casas do povoado da Chapada (Grajaú) foram incendiadas pelos índios que
infestavam a região, matando a maioria dos seus habitantes. Deste modo, a incipiente
povoação foi completamente dizimada e os poucos moradores que conseguiram
escapar da morte atroz partiram para Pastos Bons. Mas voltaram tempos depois
para reconstruir o lugarejo que convencionaram chamar de Porto da Chapada.
A
história relata-nos que foram travadas batalhas renhidas e sangrentas para reocuparem
aquelas terras, ocasião em pereceram centenas de pessoas dos dois lados da
peleja.
Não
era fácil a vida do nosso sertanejo. Diariamente tinham que lutar contra
animais ferozes, contra índios guerreiros e contra doenças indesejáveis para
manterem-se no território conquistado. Assim, foram se formando as fazendas de
gado na região do Mearim e do Grajaú, até culminar com a criação de Barra do
Corda, mérito atribuído ao grande Manoel Rodrigues de Mello Uchoa, e de outros
destemidos desbravadores. Para eles, uma viagem de centenas de quilômetros em
lombo de burro ou a pé - por lugares sem caminhos abertos -, era pouco mais que
uma aventura de final de semana. Foi assim que os colonizadores foram ocupando
os sertões-de-dentro, espalhando seus rebanhos por locais cada vez mais
distantes, sempre à procura de novas terras, férteis e com a presença de água,
para estabelecer seus novos currais. O gado, por conseguinte, teve importância
fundamental na colonização da região central do Maranhão, como de resto havia
acontecido na pioneira Pastos Bons, mãe de todas as cidades das regiões do
Mearim, Grajaú, Corda e Tocantins. Foi o boi, com a sua carne muito necessária,
mas também com o couro para a confecção de mobílias e indumentárias de
trabalho, quem amaciou a patadas, os caminhos que passaram a ser transitados
pelo homem e que, muito depois, deu origem às nossas rodovias, tal qual as conhecemos
hoje.
Bela
página da nossa história é essa, escrita pelos nossos pioneiros e seus rebanhos
formados pelo gado Curraleiro (pé-duro). História escrita com sangue e
lágrimas, mas também marcada de grande heroísmo e vitórias marcantes. Ao homem
do sertão devemos a nossa existência. Ao boi, contudo, devemos a formação da
nossa riqueza, o desenvolvimento do nosso distante sertão. Esses animais foram
a essência do nosso desenvolvimento porque eles mesmos se transportavam,
tocados por intrépidos ginetes em razão da falta de estradas e transportes.
Hoje, esses animais são transportados em grandes e potentes carretas. Acabaram-se
as grandes boiadas conduzidas por vaqueiros destemidos, montados em animais
devidamente paramentados com cela e pelego, com arreios de bridas vistosas e brilhantes.
Ainda
presenciei o final dessa epopeia em que grandes boiadas eram transportadas de
Goiás para São Luis ou Teresina. Presidente Dutra, no passado, era passagem
obrigatória de enormes rebanhos e suas numerosas comitivas. Ficava extasiado ao
ouvir o toque do berrante por aqueles peões que iam à frente da boiada,
chamando o gado para retomar a longa marcha. Outros tempos. Tempos que não
voltam mais.
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