“Breves Recordações da Minha Vida Fora Desta Ilha”.
José Pedro Araújo
“Sou natural de Kobe, importante
cidade situada no sul do Japão, na província de Hiôgo. Situada esplendidamente
no litoral, possui um dos melhores e maiores portos do país. E inicio dizendo
que nasci de uma família que tirava ordinariamente da pesca a sua sustentação
desde os meus ancestrais mais distantes. E eu deveria dar continuidade ao
empreendimento industrial que o meu pai comandava, e que o fazia estar quase
sempre ausente de casa por obrigações relacionadas ao seu ofício. Ainda mais
porque era filho único. Nascido, portanto, em uma família tradicional, estudei
em escolas que meus pais e avós já haviam estudado, e entrei para a faculdade para
me preparar para dar prosseguimento ao empreendimento familiar, ou mais
precisamente para prosseguir a sua saga na área de pesca industrial. Tive uma
infância normal de uma criança japonesa da primeira metade do século vinte, e
uma juventude não tão tranquila assim, porquanto gostava de praticar esportes
que continham algum risco. Esquiar, por exemplo, tinha a minha predileção,
enquanto meus pais preferiam a calma das estâncias termais. E por conta disso,
vivia em permanente conflito com eles para obter autorização para frequentar
estações de esqui distantes, como as das províncias de Hokkaido, Ymagata e
Nagano. E isso, naturalmente, embutia custos altíssimos, investimento que meus
pais achavam desnecessários, além de dispendiosos. Mas o que os deixava mais
preocupados era os riscos que isso me trazia, pois, logo depois, já praticava o
esqui em pistas com grau de dificuldade elevadas. O esporte de competição”.
“Mas eu gostava daquilo, do risco
e das emoções de um esporte emocionante e competitivo que cada vez mais me
desafiava. E como para provar que meus pais estavam sempre certos, aquilo
terminou por me impingir um duro golpe, logo aos vinte anos. Tudo o que meus
mais temiam aconteceu. Em uma das vezes em que punha em prática o meu desafio
de todos os dias, e em uma das pistas mais perigosas de Hokkaido, sofri um
acidente que quase me tirou a vida, e que me levou um pedaço de uma das minhas
pernas, soterrado e esmagado que fui por uma montanha de neve advinda de uma
avalanche.”
“Causei imenso sofrimento para a
minha família, mas isso não me tirou a vontade de me meter em aventuras e em
esportes perigosos. Logo que me adaptei com a prótese que complementava agora a
minha perna, entrei para uma escola de pilotagem de avião. Não demorou muito e
logo estava participando de grupos de paraquedistas que faziam demonstrações em
todas as regiões do país. Como tudo na minha vida, depois que me tornei um
mutilado, tive dificuldades em ser aceito pelos meus futuros colegas em
decorrência da minha condição física. Mas, isso foi apenas no início, pois logo
que demonstrei a minha perícia e a minha determinação, superei todos os
entraves. Meus pais, mais uma vez, não ficaram satisfeitos com a minha decisão,
mas, por acharem que eu já havia sofrido demais com a perda de uma parte de um
dos meus membros inferiores, consentiram com a minha nova decisão. E devo
confessar que me tornei bom no ofício, um dos melhores, especialmente na
pilotagem e acrobacia de pequenas aeronaves. A falta de uma perna completa não
era impedimento nenhum. E mesmo por isso, dediquei-me ao máximo ao ofício de
piloto com o intuito de superar a deficiência.”
“Mas a idade foi chegando, e eu
precisei me dedicar mais ao meu lado profissional também, fazendo com que me
afastasse dos meus brinquedos voadores. E foi nessa época que fui mandado para
a Inglaterra para concluir a minha especialização em negócios, economia e
administração de empresas. O meu destino foi Cambridge, uma das universidades
mais famosas do mundo. Mas, antes mesmo de concluir o meu aprendizado, estourou
a segunda grande guerra. E o Japão tomou o partido da Alemanha. Posicionou-se
contra os britânicos, portanto. Terminava ali a minha experiência inglesa.
Voltei para casa menos de dois anos após iniciar a minha preparação.”
“A vida que encontrei no meu
país, nem de longe lembrava a que deixei pouco tempo antes: estava tudo um caos
total. Tudo girava em torno da guerra. As indústrias passaram a se dedicar com
afinco em equipar as forças imperiais para o confronto com as nações inimigas.
E isso era uma tarefa hercúlea e que forçava a maior parte das plantas
industriais a produzirem equipamentos para as três armas em detrimento dos de
uso doméstico, por exemplo. Menos mal que eles precisavam de alimento para
matar a fome dos exércitos aliados, e a indústria de pescado da minha família
não foi muito afetada. Foi até estimulada a aumentar a sua produção.”
“Agora, se você precisasse de um
armário de aço, de algumas esquadrias para casa, ai ficava praticamente
impossível de conseguir. Todas as metalúrgicas, além de tudo o que era
transformado em metal, devia se voltar para a produção de coisas destinadas à
guerra. E, mesmo assim, o povo estava empolgado com o que estava acontecendo.
Sobretudo os mais jovens. Para esses, era uma questão de honra dedicar a vida
ao império japonês, demonstrar profundo amor à pátria, partir para a briga,
enfim. E eu não fiquei fora disso, lógico, apesar da minha deficiência, e de no
início achar aquilo um tremendo desperdício de material humano e de precioso
tempo.”
“Mudei de pensamento porque todos
os meus amigos, quando voltei ao país, já haviam se alistado em uma das forças
que mais lhe atraiam. Meus companheiros de pilotagem, por exemplo, foram logo
recrutados a prestar serviços no comando aéreo, e passaram por treinamentos
intensivos nos campos de preparação instalados em várias partes do país. Até
então não me empolgara muito com o conflito armado. Até achava aquilo um
tremendo desperdício, como já afirmei, envolver toda uma nação em uma guerra
que não nos dizia respeito. Se a guerra era entre europeus, que eles
resolvessem as suas pendências! O Japão tinha mais era que aproveitar os tempos
correntes para comercializar com os dois lados tudo o que produzia, e aumentar
a sua participação no comércio internacional”.
“Mas, isso foi antes. Com o
tempo, com as notícias diárias veiculadas pelos jornais e rádios, com o
ufanismo uniformemente espalhado por toda a mídia, fui aos poucos me envolvendo
e um grande sentimento patriótico foi se apoderando de mim. A propaganda
nipônica conseguia mais um adepto. Talvez um adepto que não desejavam, como
veremos mais adiante. Mas, mesmo assim, um aguerrido e dedicado parceiro
militar”.
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