“A Minha Última Batalha Aérea”
José Pedro Araújo
“Depois que perdi meu amigo,
companheiro de beliche e orientador, ainda participei de dezenas de incursões e
combates ligeiros contra aviões inimigos. Mas vi que o convés do porta-aviões,
bem como os alojamentos, estavam também cada vez mais vazios. Da parte do nosso
comandante, contudo, vinha a reconfortante informação de que logo receberíamos
mais aeronaves e que um grupo de pilotos já estava em fase final de formação
para entrar imediatamente em combate. Isso sustinha a nossa auto-estima. Coisa
de bom comandante, pois os caças e os pilotos nunca chegavam”.
“Dias depois ficamos sabendo que
uma grande operação de guerra estava sendo planejada, e que o nosso Zuikako
seria a ponta de lança de uma grande esquadra com o que ainda tínhamos de
melhor naquelas águas. De fato, dai a poucos dias fomos acordados quase
madrugada para recebermos a informação de que partiríamos para o Golfo de Leyte
imediatamente. O porta-aviões estava com o convés com poucos aviões de combate mas,
entre estes, estava o meu mosquito prontinho para partir em mais uma missão.
Antes da metade da manhã, recebemos ordem de decolar para interceptar alguns
aviões inimigos que tentavam se aproximar do nosso porta-aviões. Partimos
rapidamente e, em uma última olhada para trás e para baixo, vi que quase todos
os aviões haviam decolado para realizar aquela operação”.
“Ainda recebíamos instruções em
pleno ar sobre a nossa estratégia de ataque quando o comandante da nossa
esquadrilha me deu ordem para me afastar do grupo, junto com alguns outros Zero,
para interceptar aviões inimigos que tentavam nos cercar. Afastei-me
rapidamente da formação e em poucos minutos avistei um grupo de caças inimigos
à minha direita, e parti para cima deles. A minha convicção sobre a
superioridade dos nossos Zero era total, e talvez tenha sido esse o meu
primeiro e único erro naquele tempo todo em que me encontrava em combate.
Quando fui alertado pelo rádio para não me afastar muito do grupo, vi três aviãozinhos
inimigo arremeterem contra mim com todo o ímpeto. Busquei os meus companheiros
e não vi ninguém. Estava sozinho. Adotei todas as táticas conhecidas para fugir
da perseguição, mas aviões inimigos eram muito velozes. Diferentemente dos aparelhos
anteriores que já havia enfrentado.”
“Tentei surpreendê-los com um contra-ataque,
voltando o meu mosquito na direção de um dos mais próximos, e o acertei com uma
rajada rápida e mortífera. Exultei quando a fumaça começou a sair da aeronave
inimiga e ele começou a cair em parafuso. Não tive nem tempo de me deliciar com
a minha pequena vitória, pois os dois outros aviões restantes partiram para
cima de mim e me fizeram voar em direção oposta, afastando-me mais ainda do meu
grupo. Por instantes achei que havia despistado meus oponentes, pois durante
mais de dez minutos não vi ninguém me seguindo. Ledo engano. Eles me acharam
outra vez e deviam está furiosos pois passaram a disparar rajadas intermitentes
cujos projéteis passavam cada vez mais perto de mim. A última delas me acertou
a asa direita de raspão, e pude ver que uma parte muito pequena dela fora
arrancada. Tentei um mergulho para voar rente ao mar, mas logo fui seguido
pelos meus dois inimigos muito de perto. E eles continuavam disparando sobre
mim, não me davam sossego. E agora, de cima para baixo, seus disparos passaram
a ser mais perigosos, pois aumentara a área de contato do meu Zero. Não tive
tempo de rever a minha posição, logo uma das rajadas acertou o bico do meu
avião e o motor começou a emitir uma fumaça escura e, em instantes, parou de
funcionar. Havia sido atingido dolorosamente”.
“Só me restava agora procurar me
salvar. Eu já estava a poucos metros da água e por isso tentei um pouso de
emergência. À minha direita, a pouco mais de cem metros, avistei uma ilha
coberta de árvores, e tentei fazer com que o meu mosquito voador se aproximasse
mais dela, e enquanto isso ia tentando me desvencilhar do cinto que me prendia
na cabine. Contudo, o manche do meu mosquito não respondeu. Estava rígido,
fixo, nem se mexeu. E, como voava paralelo à ilha e não tinha mais como mudar a
direção, procurei, num último esforço, fazer o meu avião deslizar pela água,
que, naquele momento estava calma, lisa como uma pista de pouso. Mas, o choque com
a superfície líquida, mesmo voando rente ao seu nível, foi grande e, aos pulos,
vi que o aviãozinho começou a soltar parte da fuselagem e a sacolejar a cada
choque com a água. O último contato com o oceano provocou um salto maior e
mergulhei de bico, quase na vertical, e o mosquito, ou que restou dele, começou
a afundar rapidamente”.
“A essa altura eu já estava
tonto, tal a violência dos impactos do meu Zero com a água lisa e dura. Mas
ainda tive tempo de abrir a escotilha e sair da cabine a tempo. Não lembro
muito do período de tempo que nadei, mas não tardou e eu já estava pisando a
areia da ilha. Tive, porém, um contratempo que me custaria caro nos momentos
seguintes. Durante o voo eu costumava afrouxar as cintas que prendiam a prótese
à minha perna para diminuir o incômodo. Aliás, isso havia se tornado um hábito
para mim. Se estivesse em casa, ou mesmo em período de descanso, sempre
desabotoava as fivelas para afrouxar as tiras que a prendiam à minha perna. Foi
o que fiz naquele dia também. E diante dos solavancos do avião ao se chocar com
a crista do mar, a prótese quase desprendeu, mas tive tempo de segurá-la e
perdi um precioso tempo tentando reapertar as fivelas. E quase vou ao fundo com
o meu aviãozinho. Mas, como pensava unicamente em me salvar, consegui fazer
tudo em tempo recorde. Ainda encontrei tempo para isso antes que o mar me
tragasse também. Tonto, machucado, dolorido em várias partes do corpo, consegui
sair do mar”.
“Da areia onde me encontrava via
passar alguns aviões sobre mim. Parecia que a batalha estava acontecendo com
muita intensidade. De onde estava podia ouvir o intenso matraquear das
metralhadoras e o ribombar dos canhões antiaéreos postados nos navios. Mas não
tardou muito para tudo voltar ao normal. Não se passou muito tempo e logo não
ouvi mais barulho de motores, ou de rajadas de metralhadoras. Somente então
observei que já estava na sombra de algumas árvores e distante da água. Uma
tristeza enorme me toldou a alma e me fez chorar copiosamente naquela tarde que
se iniciava. Não pensava ainda em como fazer para sobreviver por ali. O
pensamento que me vinha era a respeito da minha incompetência e da minha
derrota. Da vergonha que impingia aos meus pares, ao meu país, à minha família.
E isso era maior do que tudo. Quando o Japão liquidasse com aquela guerra e
fosse premiar os seus heróis, eu não poderia me juntar a eles, pois havia
deixado que derrubassem o meu avião de maneira infantil e descuidada, causando
enorme baixa no que ainda restava da força aérea nipônica atuando naquela
região do globo. Uma derrota que envergonharia toda a nação, pois eu pilotava a
última invenção bélica do meu país, um símbolo do poderio e da inteligência do
japonês. E como justificar aquilo?”
“Não vi o tempo passar, mas logo
já era noite. E a primeira de uma longa serie delas na ilha foi de sofrimento e
grande abatimento. Derrotado, faminto e com frio, não dormi um segundo sequer. Nem
mesmo o cansaço mental que se abateu sobre mim me fez fechar os olhos. E passei
a noite inteira me lamentando e observando o belíssimo céu pontilhados por
milhões, bilhões de estrelas. Quando o dia raiou, fui começando a acreditar que
os meus dias por ali não seriam fáceis. E mal a manhã havia começado, esquadrilhas
inimigas voltaram a cruzar os céus em todas as direções, mas não presenciei
nenhum combate aéreo ou ouvi qualquer matraquear de metralhadoras. Somente o
barulho conhecido dos aviõezinhos inimigos se fizeram ouvir naquele primeiro
dia. Fiquei ali um longo tempo a observar o vai-e-vem dos inimigos. Mas eu
precisava encontrar algo para comer. Pois, já estava a mais de doze horas sem
ingerir qualquer alimento. Então me mexi”.
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