quarta-feira, 15 de março de 2017

Diário de Um Náufrago (Capítulo XXI)




“Decepções Com o Alistamento Militar”
José Pedro Araújo
 
“Deste modo, somente quando o país entrou de fato no conflito, foi que procurei o departamento de aeronáutica para me alistar como piloto. Já estava também envolvido pela propaganda governista, ufanista. E isso se acentuou mais quando a Alemanha conseguiu avançar rapidamente sobre os demais países europeus, quase sem oposição e, por outro lado, o Japão conseguiu derrotar com rapidez e penetrar nas posições inimigas no pacífico e no sudeste asiático. As vitórias das forças imperiais criaram um clima vencedor na minha pátria e eu fui tragado por ele. A posse do território de um inimigo, as suas riquezas, a sua arte  mais valiosa, desde tempos imemoriais, traduzia-se em riqueza para o vencedor e seus exércitos, uma vez que todo o seu patrimônio, as suas obras de arte, o seu tesouro, era levado para o país vencedor. E parte disso ficava com quem lançasse mão disso. E ainda havia as mulheres. Algumas, sobretudo as mais aventureiras, entregavam-se ao vencedor facilmente, outras, belas, às vezes casadas, eram apropriadas à força pelo invasor. E isso tinha um gosto especial, pois inflava a autoestima e elevava o moral da tropa ao passar a ideia de que podiam tudo, eram indestrutíveis e, além de tudo, não precisavam seguir certas regras preestabelecidas”.
“Assim, na minha luta para ser integrado às forças imperiais, nem é preciso dizer que fui reprovado logo que viram em mim um jovem deficiente, um candidato a quem faltava um pedaço de uma das pernas. Insisti um ano depois em outro posto de recrutamento. Não estava satisfeito em acompanhar a guerra somente pelos noticiários, queria está dentro do teatro dela. As notícias que chegavam do front eram bonitas demais, e empolgantes, e isso só fazia aumentar a minha vontade de estar junto dos vencedores. Mais uma vez fui rejeitado, para desespero meu. Por esse tempo a minha mente só comportava isso, e eu não pensava em mais nada.”
“Havia uma animação crescente em meio à população com os primeiros resultados daquele conflito. A imprensa divulgava os feitos dos combates japoneses, e enaltecia, sobretudo, a nossa aviação de combate. E isso me deixava triste e acabrunhado, pois achava que o meu lugar era lá, junto com os meus antigos companheiros. Nem as notícias ruins sobre a morte de algum conhecido em combate, refreavam a minha imensa vontade de estar lá.”
“Ai aconteceram os primeiros reveses - não noticiado inteiramente pelos órgãos de divulgação e propaganda da guerra como derrota, é claro, - mas que ocasionou o retorno do porta-aviões Zuikako, por exemplo, ao estaleiro para recuperação e também para a recomposição da sua tripulação.”
“O Zuikako era o orgulho japonês que singrava os mares para levar a derrota até aos inimigos do eixo onde eles estivessem. Mas agora precisava de reformas e da recomposição da sua frota aérea depois de sofrer uma baixa de quase cinquenta por cento em seus aviões e, evidentemente, no seu material humano. Estávamos em maio de 1942, e eu vi aí uma boa oportunidade de ser aproveitado desta vez. Certamente precisariam de novos pilotos também, e havia tremenda escassez de gente para ocupar os postos vagos.”
“Mas, mesmo assim, não foi fácil convencer os lideres do Serviço Aéreo da Marinha Imperial em decorrência daquele pedaço de perna que me faltava. Sempre aquilo. Não desisti, entretanto. Insisti tanto que, afinal, depois de tanta argumentação, da carência de gente para ocupar o posto de piloto, e também das informações sobre a minha capacidade de pilotar repassada pelo pessoal do aeroclube em que pratiquei por alguns anos, fui admitido. Mas, aqui pra nós, acredito ter sido aceito mais por falta de material humano qualificado do que propriamente pelas minhas qualidades. Mas, em fim, estava dentro do espetáculo como um dos seus protagonistas, e não na plateia para aplaudir. E isso era o que de fato importava.”
“E isso também me fazia um enorme bem. Já estava difícil justificar para os amigos, para a minha família, e principalmente para as minhas amigas, o que fazia eu ali enquanto os jovens do meu país arriscavam as suas vidas em defesa da pátria. E cada vez que isso acontecia, voltava para casa arrasado. Com o tempo, passei a não sair mais de casa. Temia encontrar as pessoas na rua e ter que apresentar sempre as velhas justificativas. Mas, o pior mesmo, era ver no semblante de cada um deles que não acreditavam no que lhes dizia. Se já estavam recrutando até mesmo gente velha e que já passara para a inatividade desde muito tempo, como rejeitariam um piloto competente como eu somente por me faltar um pedaço de um dos membros?”.
“E eles tinham razão em pensar dessa maneira. Afinal, eu também não me conformava com aquilo, se até mesmo jovens imberbes e despreparados estavam sendo rapidamente enviados para repor contingentes perdidos pelo exército e pela marinha imperial”.
“A notícia da minha aceitação me fez voltar às ruas nas poucas horas que eu tive para organizar tudo e partir para um campo de preparação de pilotos para o combate. Sai com as amigas de sempre e posei de herói antes mesmo de subir para a cabine do meu Zero pela primeira vez. E vi que nesse papel a relação com elas ficou muito mais interessante. Ganhei de presente da menina que eu mais admirava no grupo, uma noite de despedidas em um quarto de hotel. E que despedida! No final, já quase manhazinha, pude escolher como desejava me despedir dela. E ela não teve papas na língua para justificar o seu ato: como sabia que dificilmente eu voltaria com vida, precisava de uma última lembrança daqueles momentos. Bem, chega de inconfidências. Afinal, este diário pretende adotar um grau de seriedade e respeito aos leitores dele. Caso tenha algum.”

4 comentários:

  1. Muito bem, Dr. Araújo. Sinceramente, estou gostando muito do seu Diário de um Náufrago, principalmente por narrar um pouco da história da Segunda Guerra Mundial (escrito pelo guerreiro japonês), além do interessante enredo que envolve o romance. Parabéns. Até o próximo capítulo.

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  2. Ainda tem um pouco mais, antes do final da história, meu caro Acoram.

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  3. Só não vou dizer para o nosso japonês sentar a pua porque ele é contrário aos aliados.
    Assim, torço para que ele seja logo abatido.

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  4. O japonezinho tem uma vida aziaga, meu caro!tudo com ele acontece de acordo com a lei de Murphy,

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