“Decepções Com o Alistamento Militar”
José Pedro Araújo
“Deste modo, somente quando o
país entrou de fato no conflito, foi que procurei o departamento de aeronáutica
para me alistar como piloto. Já estava também envolvido pela propaganda
governista, ufanista. E isso se acentuou mais quando a Alemanha conseguiu
avançar rapidamente sobre os demais países europeus, quase sem oposição e, por
outro lado, o Japão conseguiu derrotar com rapidez e penetrar nas posições
inimigas no pacífico e no sudeste asiático. As vitórias das forças imperiais
criaram um clima vencedor na minha pátria e eu fui tragado por ele. A posse do
território de um inimigo, as suas riquezas, a sua arte mais valiosa, desde tempos imemoriais,
traduzia-se em riqueza para o vencedor e seus exércitos, uma vez que todo o seu
patrimônio, as suas obras de arte, o seu tesouro, era levado para o país
vencedor. E parte disso ficava com quem lançasse mão disso. E ainda havia as
mulheres. Algumas, sobretudo as mais aventureiras, entregavam-se ao vencedor
facilmente, outras, belas, às vezes casadas, eram apropriadas à força pelo
invasor. E isso tinha um gosto especial, pois inflava a autoestima e elevava o
moral da tropa ao passar a ideia de que podiam tudo, eram indestrutíveis e,
além de tudo, não precisavam seguir certas regras preestabelecidas”.
“Assim, na minha luta para ser
integrado às forças imperiais, nem é preciso dizer que fui reprovado logo que
viram em mim um jovem deficiente, um candidato a quem faltava um pedaço de uma
das pernas. Insisti um ano depois em outro posto de recrutamento. Não estava
satisfeito em acompanhar a guerra somente pelos noticiários, queria está dentro
do teatro dela. As notícias que chegavam do front eram bonitas demais, e
empolgantes, e isso só fazia aumentar a minha vontade de estar junto dos
vencedores. Mais uma vez fui rejeitado, para desespero meu. Por esse tempo a
minha mente só comportava isso, e eu não pensava em mais nada.”
“Havia uma animação crescente em
meio à população com os primeiros resultados daquele conflito. A imprensa
divulgava os feitos dos combates japoneses, e enaltecia, sobretudo, a nossa
aviação de combate. E isso me deixava triste e acabrunhado, pois achava que o
meu lugar era lá, junto com os meus antigos companheiros. Nem as notícias ruins
sobre a morte de algum conhecido em combate, refreavam a minha imensa vontade
de estar lá.”
“Ai aconteceram os primeiros
reveses - não noticiado inteiramente pelos órgãos de divulgação e propaganda da
guerra como derrota, é claro, - mas que ocasionou o retorno do porta-aviões
Zuikako, por exemplo, ao estaleiro para recuperação e também para a
recomposição da sua tripulação.”
“O Zuikako era o orgulho japonês
que singrava os mares para levar a derrota até aos inimigos do eixo onde eles
estivessem. Mas agora precisava de reformas e da recomposição da sua frota
aérea depois de sofrer uma baixa de quase cinquenta por cento em seus aviões e,
evidentemente, no seu material humano. Estávamos em maio de 1942, e eu vi aí
uma boa oportunidade de ser aproveitado desta vez. Certamente precisariam de
novos pilotos também, e havia tremenda escassez de gente para ocupar os postos
vagos.”
“Mas, mesmo assim, não foi fácil
convencer os lideres do Serviço Aéreo da Marinha Imperial em decorrência
daquele pedaço de perna que me faltava. Sempre aquilo. Não desisti, entretanto.
Insisti tanto que, afinal, depois de tanta argumentação, da carência de gente
para ocupar o posto de piloto, e também das informações sobre a minha
capacidade de pilotar repassada pelo pessoal do aeroclube em que pratiquei por
alguns anos, fui admitido. Mas, aqui pra nós, acredito ter sido aceito mais por
falta de material humano qualificado do que propriamente pelas minhas
qualidades. Mas, em fim, estava dentro do espetáculo como um dos seus
protagonistas, e não na plateia para aplaudir. E isso era o que de fato
importava.”
“E isso também me fazia um enorme
bem. Já estava difícil justificar para os amigos, para a minha família, e
principalmente para as minhas amigas, o que fazia eu ali enquanto os jovens do
meu país arriscavam as suas vidas em defesa da pátria. E cada vez que isso
acontecia, voltava para casa arrasado. Com o tempo, passei a não sair mais de
casa. Temia encontrar as pessoas na rua e ter que apresentar sempre as velhas
justificativas. Mas, o pior mesmo, era ver no semblante de cada um deles que
não acreditavam no que lhes dizia. Se já estavam recrutando até mesmo gente
velha e que já passara para a inatividade desde muito tempo, como rejeitariam
um piloto competente como eu somente por me faltar um pedaço de um dos
membros?”.
“E eles tinham razão em pensar
dessa maneira. Afinal, eu também não me conformava com aquilo, se até mesmo
jovens imberbes e despreparados estavam sendo rapidamente enviados para repor
contingentes perdidos pelo exército e pela marinha imperial”.
“A notícia da minha aceitação me
fez voltar às ruas nas poucas horas que eu tive para organizar tudo e partir
para um campo de preparação de pilotos para o combate. Sai com as amigas de
sempre e posei de herói antes mesmo de subir para a cabine do meu Zero pela primeira
vez. E vi que nesse papel a relação com elas ficou muito mais interessante.
Ganhei de presente da menina que eu mais admirava no grupo, uma noite de
despedidas em um quarto de hotel. E que despedida! No final, já quase
manhazinha, pude escolher como desejava me despedir dela. E ela não teve papas
na língua para justificar o seu ato: como sabia que dificilmente eu voltaria
com vida, precisava de uma última lembrança daqueles momentos. Bem, chega de
inconfidências. Afinal, este diário pretende adotar um grau de seriedade e
respeito aos leitores dele. Caso tenha algum.”
Muito bem, Dr. Araújo. Sinceramente, estou gostando muito do seu Diário de um Náufrago, principalmente por narrar um pouco da história da Segunda Guerra Mundial (escrito pelo guerreiro japonês), além do interessante enredo que envolve o romance. Parabéns. Até o próximo capítulo.
ResponderExcluirAinda tem um pouco mais, antes do final da história, meu caro Acoram.
ResponderExcluirSó não vou dizer para o nosso japonês sentar a pua porque ele é contrário aos aliados.
ResponderExcluirAssim, torço para que ele seja logo abatido.
O japonezinho tem uma vida aziaga, meu caro!tudo com ele acontece de acordo com a lei de Murphy,
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