“Finalmente Sou Piloto de Caça à Serviço do Meu Imperador”
José Pedro Araújo
“O primeiro contato meu com um
Zero quase me derrubou de emoção. Aquele aviãozinho minúsculo, pintado de verde
e com um grande sol vermelho desenhado na fuselagem me deixou deverasmente emocionado.
Entrar na cabine de um daqueles pássaros alados era tudo o que eu sempre desejara
na vida. Ou, mais precisamente, o que mais desejei nos últimos tempos. E agora
eu iria defender a minha pátria sobre as asas de um dos mais modernos e letais
aparelhos de guerra.”
“Passei por um treinamento rápido,
mas intensivo, como já afirmei. O tempo de preparação precisava ser exíguo
porque o país necessitava que o Zuikako voltasse ao teatro da guerra para impor
o nosso poderio que tanto amedrontava os nossos inimigos. Aquela belonave
portentosa transmitia segurança aos nossos homens também. E por nunca ter
sofrido um revés maior, apesar de já estar há anos singrando por esses mares
belicosos, funcionava como um talismã, algo que designava sorte e segurança. Era,
por fim, a nau capitânia que se impunha somente com a sua presença. Aos
inimigos, mas, e principalmente, a nós mesmos. E dessa vez eu estava nele, embarcado
que fora com o meu mosquito mortal, nome com o qual batizei o meu Zero.
Passei quase todo o tempo que
levamos navegando de volta, junto ao meu aviãozinho, no meu posto de espera sobre
o enorme convés, enquanto ele permanecia atado à sua catapulta de lançamento.
Esperava, ansiosamente, pela minha primeira missão; apenas a primeira das
muitas que eu almejava participar. E ela aconteceu quando o Zuikako foi enviado
a participar da batalha de Guadalcanal, nas Ilhas Salomão. Naquela refrega sangrenta
em que muitas vidas inimigas foram tiradas, afundamos um dos navios mais
importantes da frota naval americana, o USS Hornet. E eu tive participação
ativa naquele confronto vitorioso.”
“A volta ao porta-aviões Zuikako
se deu em festa. Tínhamos infringido uma das maiores derrotas aos aliados, e
tivemos o nosso reconhecimento: fomos convidados para comemorar o feito ao lado
do nosso grande comandante, o Almirante Jazaburo Ozawa. Aquele homem magro,
rosto impassível, cabelos curtos e grandes entradas, não esboçou um sorriso sequer
ao nos receber. Mas, o jeito marcial, e o seu olhar determinado, causou-me
ótima impressão. Estávamos em boas mãos sob o seu comando, foi o que pensei. E
ele ainda fez questão de me cumprimentar pessoalmente, agradecendo pelo grande
trabalho realizado e pelos feitos por mim realizados, informações que me disse
ter ouvido do comandante da minha esquadrilha. Fiquei envaidecido com os elogios.
Mas era como se tivesse ouvido dele um reparo: “apesar do seu defeito físico,
você é um bom piloto”. Pois olhou rapidamente para a minha perna com a prótese
mecânica, enquanto tecia seus cumprimentos”.
“Eram muitas as atividades
diárias. Constantemente partíamos em missão de reconhecimento ou mesmo para
combater alguns inimigos identificados em um largo raio de atuação, posto que
estávamos sempre atentos à aproximação de algum deles do nosso poderoso
porta-aviões. Isso era adrenalina pura. Mantínhamos um olhar para o céu, outro
para o mar, e os ouvidos sempre atentos aos alto-falantes instalados em todos
os pontos da nossa belonave. Era um partir e voltar constante, de modo que logo
já estava acostumado com aquela pista de pouso e decolagem tão pequena e que
precisava de um impulsor para nos arremessar tal qual um estilingue faz”.
“O meu tempo livre e de descanso
na apertada cabine era gasto ouvindo as histórias dos pilotos mais experientes
e que já estavam há mais tempo na luta. Havia um deles que me chamou a atenção
desde o meu primeiro minuto ali, pois tinha participado do ataque japonês a
Pearl Harbor, e também porque contavam histórias mirabolantes e empolgantes sobre
a sua participação naquele ataque. Passei a considerá-lo como um ídolo.
Admirava-me que ainda estivesse vivo e ativo, vivo para contar suas histórias,
enquanto parte dos pilotos que haviam participado daquele confronto, sobretudo
os ancorados sobre o Zuikako, já haviam perecido em combate. Estavam ainda em
atividade menos de cinquenta por cento deles. Não havia dúvidas de que aquela era
uma atividade de alto risco. Não havia dúvidas de que aquele homem calmo e
sereno merecia ser copiado”.
“Então passei a tomar aulas com
ele. Precisava saber como fazia, quais as estratégias que adotava para ainda permanecer
vivo, enquanto muitos dos seus colegas haviam sido derrubados pelo inimigo”.
“Ficara muito claro para mim a
capacidade de sobrevivência daquele piloto, como de resto era também a do nosso
porta-aviões, uma vez que alguns dos nossos portentosos vasos de guerra já
haviam ido a pique em ataques realizados pelos nossos inimigos. Como acontecera
na terrível e tenebrosa batalha de Midway quando quatro dos nossos porta-aviões
foram afundados. E nós ainda estávamos ali, prontos a dar continuidade aos
combates que se acentuavam no oceano pacífico.”
“Nesse tempo o meu companheiro de
beliche já chefiava um dos subgrupos, e eu o tinha como um talismã também. Apesar
de ouvirmos sempre palavras de incentivo; afirmações de que estávamos ganhando
rapidamente a guerra, pensávamos, por outro lado, que o custo para nós também
estava sendo muito alto. Mesmo nunca se tocando no assunto, soube através desse
nosso amigo que o Zuikako era o único dos seis porta-aviões que participaram do
ataque a Pearl Harbor que ainda estava em atividade. Os outros tinham sido
mandado para o fundo mar pelos nossos inimigos. E eu sabia que, com o aumento
da frota inimiga nos mares do pacífico, a guerra estava se intensificando por
aqui. E que, mais dia, menos dia, poderíamos sofrer algum revés também. Daí
precisar de todas as informações que o meu amigo pudesse me repassar sobre a sobrevivência
naquele meio”.
“Já estava há mais de um ano
ininterrupto em atividade naquele porta-aviões, quando me aconteceu o primeiro
contratempo: em uma das batalhas aéreas contra caças americanos, tive a cauda
do meu Zero atingida por uma rajada de metralhadora. Mas, por sorte, consegui
voltar para o Zuikako sem maiores problemas. E por causa disso não pude mais
participar de algumas das incursões que aconteceram nos dias que se seguiram até
que se fizessem os reparos necessários nele. Somente quando a meu aviãozinho
foi restabelecido, pude sair em socorro de um grupo de colegas que estava em
combate ferrenho não muito distante de onde o nossos navio navegava. Para a
minha tristeza, na volta ao porta-aviões pude ver que uma parte considerável dos
nossos caças não havia retornado. E que um desses aviões ausentes era
exatamente o do meu talismã. Sofri muito com a perda. Mas, não havia muito
tempo para ficarmos lamentando. As ações se davam em tempo tão curto que, às
vezes, mal tínhamos tempo para reabastecer e logo já voltávamos a voar. Naquele
último retorno, em que o nosso herói não voltou, o comandante nos reuniu mais
uma vez para falar sobre uma vitória acachapante que havíamos conseguido e para
engrandecer o nosso trabalho, marcante, segundo ele, e que infligiu uma derrota
inesquecível a um inimigo bem mais numeroso.”
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