ELE CHEGOU!
(José Pedro Araújo)
“Recentemente aconteceu um fato que me deixou em estado de máximo
alerta: um americano resolveu se estabelecer aqui na ilha. E, pelo visto, pensa
em demora-se por aqui, o que me leva a seguinte conclusão: é a última cartada
dos meus inimigos para me capturar. Agora tenho certeza disso. Mas, apesar de
bem mais jovem que eu, acho que ele terá dificuldades de concluir o que veio
aqui fazer. E eu vou aproveitar o ensejo para realizar a minha desforra. Sei
que outros virão e que, depois que eu eliminar este primeiro gringo, terão
certeza de que eu estou ainda por aqui, mas, isto não tem a menor importância
para mim. Talvez até tenha a oportunidade de levar mais que um comigo. Com
este, vou esperar para um momento propício para consumar a minha vingança. E
acredito que não será difícil, já que conheço melhor que ele todos os caminhos
e reentrâncias deste chão. E por último, tenho um plano para mim também.
Escapar daqui.
Hoje fui conhecer o lugar em que ele se alojou no outro lado
da ilha e vi que construiu um barraco com o material que conseguiu apanhar pela
praia. E, pelo visto, já está com alguns dias por aqui, pois a sua morada,
apesar de muito mal erguida, deve ter levado alguns dias para ser concluída.
Passei parte do dia observando a sua movimentação para aprender os seus
hábitos, mas vi também que é um homem bastante jovem, alto e forte. Por isso,
nada de me aproximar demais dele. Tenho que atacá-lo de longe, mas isso não
será um problema para mim. Com o meu arco e as minhas flechas, não terei
dificuldades em abatê-lo; só terei que esperar pelo momento ideal.
Foi assim que eu passei a monitorá-lo diariamente. E observei
que ele já se comporta com certa despreocupação, diferentemente de quando o vi
pela primeira vez. Isso só comprova que o tal ainda não tem certeza de que eu
estou por aqui. Mas, ao mesmo tempo, vejo que as suas pesquisas continuam a ser
realizadas diariamente. Vejo-o andar pela praia ou pelo interior da ilha, ou em
busca de frutos, ou a procura por indícios da presença de alguém.
Veja como são as coisas: hoje fui surpreendido pelo meu
adversário. Estava preparando a minha alimentação quando o meu sistema de
alarme disparou avisando-me da presença de estranhos. E antes que eu concluísse
ser algum animal vadio, vi o meu inimigo abaixar-se para observar algo. Depois
disso, prosseguiu observando os fios da minha armadilha. O miserável descobriu facilmente
o meu sistema de defesa. Mais que isso. Encontrou a minha moradia. E eu
pensando que ele estava se comportando despreocupadamente. Na verdade, é muito mais
esperto do que eu imaginava. Mas, cometeu um erro. Veio se entregar na boca do
leão.
Felizmente a minha vista ainda me permite ver com alguma
clareza à distância. Não como era antes, mas, com boa visibilidade. Da entrada
da minha caverna disparei a primeira seta com alguma ansiedade, o que me fez
errar por pouco. Pelo menos me pareceu isso. E o meu inimigo, alertado pelo meu
disparo, correu desabaladamente pelo mato, procurando fugir das outras flechas
que disparei contra ele. Sumiu no mato. Pronto. Desperdicei a chance de
abatê-lo hoje e talvez não tenha outra chance tão real. E o pior: ele também já
sabia onde eu morava, de modo que estávamos empatados nesse quesito. Só que eu
ainda tenho algumas cartas na manga que posso jogar.
Reforcei a minha proteção e me mantive em alerta total nos
dias subsequentes. Mais que isso. Monitorei com cuidado os passos dados pelo
meu opositor. No segundo dia após a visita que ele me fez vi que saia da sua
cabana com algo nas mãos que não conseguiu identificar. Esperei alguns minutos
e fui até a borda da floresta, mas o perdi de vista. Ele tinha ido longe. Então
aproveitei para me aproximar mais do seu barraco, mas não entrei, preferi
voltar para casa. Observei, contudo, que entrar naquele amontoado de tábuas era
coisa para principiante.
Dia seguinte, manhã chuvosa, estava eu a pensar no meu
inimigo, quando ouvi um baque surdo próximo da entrada da minha morada. Apanhei
o arco com a aldrava e sai cuidadosamente para a porta da caverna e só tive
tempo de ver o miserável fugindo por entre as árvores em desabalada carreira.
Depois de alguns momentos, coração já mais calmo, fui até ao local da minha
armadilha e observei que a mesma havia sido desarmada, mas que não lograra
sucesso. Se tivesse caído naquele buraco cheio de pontas afiadas, a partida
estaria liquidada. Voltei rapidamente com a certeza de que o meu adversário era
um homem de muita sorte. E isso era um grande problema. Retornei para lá mais
uma vez para rearmá-la. E ao verificar melhor, vi que um maldito galho
atravessado sobre a fossa mortal havia ajudado o infeliz a escapar mais uma
vez. Foi o meu primeiro ato falho. Deixar aquele galho no local em que estava
fora imprudente. Engoli o meu orgulho e passei a me policiar melhor. Sempre
haveria outra chance para me redimir do meu fracasso. O meu adversário estava
aceso demais e logo nos encontraríamos outra vez para um ajuste de contas.
No dia seguinte, postei-me, ainda de madrugada, próximo ao
seu barraco e fiquei esperando que saísse. Dava para ver as réstias de luz lá
dentro. A chuva caia insistentemente mais uma vez aumentando o meu desconforto.
Estava ali todo ensopado enquanto ele deveria estar ainda sob as cobertas, foi
o pensamento que tive. E isso me enfureceu. Nesse dia ele demorou a dar o ar da
sua graça. Somente muito mais tarde vi quando saiu outra vez com algo nas mãos.
E não o vi mais. Andava rápido, enquanto eu claudicava. Resolvi retornar e qual
não foi a minha surpresa ao ver algumas coisas pregadas em árvores já próximas
ao meu esconderijo. Alarmei-me. Talvez ainda estivesse por ali neste dia.
Embrenhei-me no mato, pois temia que ele tivesse encontrado a minha gruta e
fiquei longo tempo observando das imediações. Ao final de várias horas de
espera resolvi entrar na minha casa e vi que ele não havia chegado até lá, para
alívio meu. Passado algum tempo, nervos já aquietados, fui verificar nas
imediações e observei que o que ele havia deixado pregado nas árvores eram
pedaços de papelão com alguma coisa escrita.
As mensagens por ele deixadas acenderam em mim outro sinal de
alerta. Meu inimigo propunha confabular comigo. Devia achar-me presa fácil.
Arranquei as placas com furor e ali nasceu uma certeza: precisava me livrar do
meu oponente rapidamente. Ele estava ficando muito confiante. Mas, antes,
precisava dar uma resposta para ele, de modo que não restassem dúvidas de que
não me intimidava. A noite foi passada quase em claro. Achava que o infeliz poderia
pensar em se acercar de mim procurando me achar a dormir. O dia já ia
amanhecendo quando ouvi um grito. Não tive dúvidas de que era dele. E isso
aconteceu muito próximo da entrada da minha gruta. Sai desesperado com a arma
pronta para disparar quando vi que ele tentava fugir mais uma vez. Disparei a
primeira flecha e acho que o acertei. Mas ele não parou de correr e logo estava
fora de alcance dos meus disparos.
Recriminei-me por ter perdido mais uma oportunidade de me
livrar dele. Passei o resto do dia com uma enxaqueca terrível. A minha calma
nipônica estava sendo abalada em decorrência das minhas falhas. Resolvi tomar a
iniciativa e fui atrás dele. Cheguei até o seu barraco e fiquei a espreita.
Nesta manhã ele saiu ainda mais cedo, o que acendeu o meu alerta e o elevou ao
nível mais alto daqueles dias. Então resolvi entrar no seu barraco. Forcei a
porta e não encontrei dificuldade para abri-la. Como eu pensava. Mas o que
encontrei lá dentro me alarmou. Meu inimigo estava bem instalado, apesar a péssima
aparência exterior, e parecia com planos para uma longa temporada. Apanhei
algumas coisas e, ao sair, deixei a cabeça de uma pequena iguana que eu havia
levado pregada na porta. Era o meu último aviso.
Surpresa também encontrei ao retornar... desculpem, não está
dando mais. Quase não consigo mais escrever. A vista já está embaçada demais e
o pulso ficou tão trêmulo que a escrita está ficando muito ruim. Há anos espero por um par de óculos, mas o mar
nunca me presenteou com um que, pelo menos melhorasse um pouco a minha visão.
Nada. Bem, não é bem assim! Algum tempo atrás encontrei enterrada na areia uma
lente de aumento já bem estragada, ralada, mais que ainda dava para ver alguma
coisa. E me utilizei dela até agora. Foi a minha salvação. Mas agora não dá mais. Nem ela é suficiente. Então,
hoje decidi: vou parar por aqui. As informações que poderia repassar, já as
coloquei a vossa disposição. Não consigo prosseguir. Mãos trêmulas, vista
cansada. Assim é demais. Adeus! Concluo dizendo que estávamos nesse pé, nesse
jogo de gato e rato, mas que logo o abaterei, pois está ficando muito atrevido”.
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