José Pedro Araújo
Todos
nós temos perdida na mente a lembrança de algum bêbado famoso. O assunto, que
pode ser considerado como uma verdadeira tragédia para os familiares do
indigitado pé-de-cana, pode se
constituir em situações verdadeiramente hilariantes para outros. Da minha
infância, guardo a imagem do velho João Tufo a perambular pelas ruas do nosso
Curador, amedrontando as crianças com a sua figura caricata, suja, corpo cheio de feridas
abertas e purulentas. Esse pobre homem andava rua acima, rua abaixo,
cambaleante, cofo nas costas, a pedir esmolas mal o dia começava. Na minha
ótica, parecia já estar embriagado quando o sol nascia no horizonte. Nada sei da
sua origem, apesar de dizerem ser ele uma espécie de Quincas Berro D’Água, o
rei dos vagabundos da Bahia, relatado nos escritos de Jorge Amado. Mas, lembro-me
que quando morreu causou grande comoção na sociedade local, já acostumada com
a sua figura inofensiva e bonachona.
Vem da mesma época também outro personagem
marcante. Era um negro velho, carapinha branca qual chumaços de algodão,
chamado Preto Olegário. Não sei da sua origem também, mas era figura
conhecidíssima na cidade. Passava os dias em total estado de embriaguez,
batendo às portas de todos os bares da cidade em busca de quem lhe pagasse um
copo da cruel para beber. Era
comum
vê-lo no final da tarde caído em alguma calçada, abraçado com alguns
trapos
que sempre carregava consigo. E onde caía, ali passava o resto da noite,
ao
relento e sob o orvalho. Ou banhado pelas torrenciais chuvas que caiam
no período
invernoso. Vem desse período uma frase com viés racista que se usava quando era
colocada uma espiga
de milho verde para assar, e ela ficava queimada, deixando à mostra
aquela
crosta escura: “Ih! o Olegário passou o pé”, afirmavam as crianças, numa
alusão
à cor da pele do pobre homem. Vez por outra, quando estava incomodando
demais,
o velho Olegário era recolhido pela polícia e passava a noite em uma das
celas
da cadeia velha, situada na Praça Diogo Soares. Ali, certa vez, o nosso
conhecido “Pé-inchado” dormiu para nunca mais acordar. Foi velado na própria
delegacia, onde o vi prostrado sobre uma porta de madeira arrancada de um
portal. Foi enterrado como indigente. Ninguém veio lhe reclamar o corpo ou
chorar por ele. (Continua no próximo post).
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