(Chicoacoram Araújo)
Foi
no início do ano 2000. Não me lembro do dia e nem do mês. Recordo-me que era
período de um bom inverno. Cheguei em casa, à noitinha, após mais um dia de
trabalho e, ao entrar, observei que na sala havia uma rede armada. No seu bojo,
uma pequena criança que dormia. Perguntei à minha esposa, Adilina, de quem era o
pequenino. A resposta foi um largo sorriso. Não me disse nada.
Acordado
o menino, prestei atenção de que ele respirava com dificuldade, parecia estar
com alguma enfermidade. Tossia muito. Escorria o nariz. Algumas vezes, chorava.
Noutras, me olhava. E voltava a chorar. Calava-se, olhava para mim. Tinha um
ano e meio de idade. Parecia menos. Estava vestido apenas com calçãozinho de
cor desbotada. Pequenino, magérrimo,
pálido, barriga grande, glândulas inchadas, pernas frágeis, alguns furúnculos incomodavam
aquele pequeno ser. Não era feio. Com as feições bonitas, os cabelos negros e
lisos realçavam o seu rosto, que lembrava um curumim. Sua saúde era precária.
Necessitava de cuidados médicos. Esse foi o motivo da vinda inusitada do
hóspede.
Contou-me
minha esposa, no dia seguinte, que o havia levado ao médico.
O
garoto estava, de fato, muito debilitado. O diagnóstico apontava pneumonia,
subnutrição e outros problemas de saúde a mais. Diante desse quadro, o Doutor
receitou vários medicamentos e uma boa alimentação rica em vitaminas e
proteínas. Tudo isso me foi relatado, à noite, por Adilina. Disse-me ainda que
já havia comprado os remédios e alimentado a criança, na forma recomendada pelo médico.
Falou também que, no dia seguinte, levaria a criança de volta para a mãe.
Mas
a mãe da criança era muito pobre. Chamava-se Antônia. Morava em um casebre de
taipa, localizado em uma vila, ao redor do bairro onde residia minha família.
Tinha outros filhos menores ainda, e trabalhava como doméstica. Assoberbada
pelo trabalho, só retornava à noite. As crianças ficavam sozinhas o dia todo,
sem alimentação. Os vizinhos, penalizados, eventualmente davam às crianças
algum tipo de comida. As condições de vida da mãe e das crianças eram,
realmente, paupérrimas.
Dentre
esses vizinhos, estava Maria, irmã de minha esposa, que sempre que podia
alimentava aquelas crianças. Esta morava em frente da casa da mãe dos pequenos.
Como minha esposa habitualmente visitava sua irmã, em uma dessas visitas ela
conheceu as pequenas criaturas, que pelas ruas estreitas da vila perambulavam.
Um dia, em uma de suas visitas percebeu a ausência de uma delas, o menorzinho.
Indagou da sua irmã Maria onde se encontrava o garoto. Esta respondeu que ele
estava muito doente, prostrado em uma velha rede no casebre em frente. Estava
sozinho. A mãe tinha ido trabalhar.
Adilina, vendo
que a saúde do garoto era preocupante levou-o imediatamente para o hospital do bairro, alertando sua irmã que
avisasse Antônia. Depois de a criança
ser medicada superficialmente pelo médico, Adilina tomou a decisão de levá-la
para nossa casa. Foi assim, que a história do Luís começou.
No
dia seguinte, choveu. Torrencialmente.
Não foi possível levar o garoto para sua casa. Decidiu-se levá-lo no próximo
dia, que, por algum motivo, também não foi possível. Vários dias se passaram
sem que o pequeno hóspede fosse embora. A mãe, por sua vez, também não apareceu
para levar o filho. Fiquei preocupado. Mandei chamá-la. Esta, depois de
reiterados convites, enfim veio receber o filho ausente. Nessa cena, ao final
da uma tarde de inverno, na calçada da minha casa, encontravam-se, além de mim
e a mãe do Luís, minha esposa, a cunhada Maria e meus três filhos adolescentes:
Josy, Vitor e Patrícia.
No
momento da despedida do pequeno hóspede aconteceu um fenômeno extraordinário. Acredito
que tudo o que acontece na vida das pessoas tem um propósito. Neste caso,
acredito piamente que há um desígnio de Deus. Mas há também um propósito. Ou
não? “O coração tem razões que a própria
razão desconhece”, disse alguém.
Meus três
filhos protestaram veementemente a devolução do Luís à sua mãe. “Papai, você
vai deixar essa mulher levar o Luís?” Fiquei surpreso com tal reação. O Luís já
havia cativado os corações de todos de casa. Foi aí que compreendi que o Luís
era o meu quarto filho. O Luís, o filho do coração. Entendi, também, que a mãe
do Luís aceitou a separação do filho convencida que este teria uma boa educação
e um futuro auspicioso com a nova família.
E esta é a missão que Deus confiou à minha família: educar o Luís, sem
medir esforços, no sentido que ele seja, no futuro, um bom cristão, bom cidadão,
e um profissional respeitado por todos.
Hoje, o Luís está com
13 anos. Chama-se LUÍS HENRIQUE. Nome de Rei. É inteligente, meigo e tem um
carisma muito grande junto às crianças. É estudante da 7ª série da Escola São
José. Não se dedica muito aos estudos como eu gostaria. Mas é um bom filho. Tenho a convicção que, com ajuda dos irmãos
desta grande Igreja Batista e do grande Pai, Luís Henrique se transformará em
um bom estudante, pois atencioso e obediente aos pais que é, logo será uma
pessoa da mais alta respeitabilidade na comunidade. Para finalizar, citarei uma
frase tirada do livro o “Pequeno Príncipe” que diz mais ou menos assim: “quando
tu cativas alguém, tu és responsável por ela para sempre”. Amém.
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