José Pedro Araújo
Certa
época apareceu em
Presidente Dutra um homem robusto, alvo de tez, conhecido
pela alcunha de Créu. Veio das bandas de Sergipe, me parece, e foi acolhido por
importante empresário presidutrense, que o contratou como vigia do seu posto de
gasolina. O homem começava também a beber logo que o dia amanhecia, de maneira
que quando a noite chegava, já o encontrava completamente embriagado. Nessa
ocasião, inflamado pela branquinha,
subia na marquise do prédio onde hoje funciona um hotel e despejava sobre a
cidade seus discursos intermináveis e furiosos. Por esse tempo, vivia-se o
início do governo militar militar que governou o país por mais de vinte anos. Naquele momento as
garantias individuais estavam totalmente suspensas e o cala-te boca era a
tônica do momento. Nem mesmo este aspecto era impedimento para o falastrão Créu
despejar a sua fúria sobre tudo e sobre todos, nas noites do Curador.
Lembro,
entretanto, que seus principais inimigos eram os Comunistas e Integralistas (que
ele chamava de intregalistas). Inflamado, atacava os adversários do regime
getulista, implantado lá pelos anos 30, estendendo-se até o ano de
54. Do alto do seu púlpito improvisado, todas as noites o bebum despejava
discursos desconexos, misturando datas e fatos, para desgosto das famílias que
moravam no entorno do local da sua oração, incomodadas com a voz forte do
orador notívago. Certa noite, depois de alguns anos de zangados discursos, a
voz do orador se calou. Assim como surgiu, desapareceu sem deixar um adeus.
Em Presidente Dutra,
mais precisamente no povoado Canafístula, era fabricada uma pinga que ganhou
fama entre os bebedores contumazes, e também entre os apreciadores esporádicos
de uma purinha. Sem marca própria,
passaram a chamá-la de Beltroina, numa referência ao dono do engenho, o
fazendeiro Beltrão Campelo. A Beltroina possuía uma coloração dourada e seus
apreciadores diziam ser de uma qualidade extraordinária. Talvez por conta disso, alguns rapazes da
cidade se afeiçoaram tanto a aguardente que viviam entornando grandes quantidades
dela até beijarem o pó vermelho das ruas. Alguns desses jovens, pertencentes à
burguesia local, entrava em tal estado de êxtase que saiam aprontando pela
cidade. Um deles, figura conhecidíssima de todos, bonachão, conversa agradável,
melava-se amiúde com a Beltroina, para
desespero dos familiares e amigos. O contato do rapaz com a marvada se tornou tão corriqueiro que era
comum encontrá-lo “tangendo galinha” pelas ruas da cidade ainda na parte da
manhã. A propósito disto, os amigos de farra, confirmando aquela máxima de que
“o macaco não olha para o próprio rabo”, decidiram que o rapaz precisava
arranjar uma cara-metade para cuidar
dele. Somente assim, conjeturaram, sairia daquele estado constante de
embriaguez.
A
escolha recaiu sobre uma jovem muito bonachona e prendada,
namorada antiga, mas esporádica do nosso bebum. Honesto também é acrescentar
que o rapaz não era nenhuma criança também; já estava ultrapassando a
casa dos trinta e cinco anos, de modo que se equivaliam no quesito idade. E
além do mais, a moça era prendada e de boa família, formada professora - se não
me falha a memória. Cuidaria dele muito bem.
Mas
o plano só daria certo se a moça concordasse com ele. Aí veio a surpresa. A
moça aceitou sem impor condições o casamento, e ainda afirmou que nutria grande
paixão pelo candidato que lhe foi ofertado. Foi a sopa no mel. Uma parte do futuro casal
concordava inteiramente com o casório. A outra parte, por sua vez, só precisava ser convenientemente
preparada!
Mas
otimismo tem limites. Foi difícil conseguir convencer a outra cara-metade. Sempre que
o assunto era iniciado, o rapaz, naquele momento ainda sóbrio, pulava fora e
dizia ao interlocutor poucas e boas, tachando-o de amigo-da-onça. Notaram, porém, que
quando o rapaz já havia tomado algumas a mais, o assunto era mais bem recebido,
aceito até mesmo com certa simpatia. Combinaram com a noiva realizar o casório quando
ele estivesse completamente embriagado. E assim foi feito.
No
dia do casório, o nosso protagonista
estava radiante, apesar de não se manter de pé sozinho. Aparentava também não
saber do que se tratava aquela solenidade tão animada. Não importava, já que a
cachaça estava rolando solta e a felicidade dos amigos era total. Mas no dia
seguinte, quando acordou e deu de cara com a nova sócia ali do lado, o homem irrompeu em um choro descontrolado; não
podia acreditar que aquilo estivesse acontecendo com ele.
Poucos
dias depois, encontrei-o em um sítio da família. Estava sóbrio e ainda muito
magoado com a presepada que haviam aprontado pra ele. Mais tarde, depois de
relembrarmos o episódio do casamento, julguei ver brotar de seus olhos algumas
lágrimas teimosas.
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