domingo, 18 de janeiro de 2015

Um Caçador em Apuros (2)

                                                              
No final da primeira parte desta crônica, os caçadores adentraram à mata antes que a noite chegasse. Embora preocupados com a escuridão que se avizinhava, o grupo conseguiu chegar ao local da primeira espera, onde deixariam o cansado Órion. Apresentado à árvore sobre a qual pernoitaria, o homem quase teve um troço. Alegou que não conseguiria subir sozinho naquele pau imenso. Não se envergonhou, pediu ajuda aos companheiros. Mesmo preocupado com o avançado da hora, o guia depôs a sua tralha e passou a ajudar o homem a subir na árvore. O novato era pequeno, mas pesava qual um saco de pedras. Sem outro jeito, empurrou-o pelos fundilhos até que ele conseguiu se agarrar aos primeiros galhos. Foi um processo penoso e cansativo, mas que finalmente deu resultados. Pareciam ter treinado para o nado sincronizado: o guia, agarrado feito um bicho preguiça à árvore, dava um impulso, o trabalhoso o acompanhava na ação. E assim foram subindo penosamente.
Agasalhado o novato, partiram os outros companheiros para os seus locais de espera, sumindo no mato fechado.
Enquanto isso, o noviço começa a armar a sua rede lá no alto, após descansar por alguns minutos da dificultosa subida. Primeira tarefa concluída ficou a observar a beleza do lugar, deslumbrando-se com o espetáculo belíssimo do por do sol que se aproximava.
Mas, logo em seguida, um leve princípio de medo começou a atormentá-lo ao se deparar com a solidão do lugar. Dedicou-se, em contraponto, a ouvir os últimos cantos dos pássaros que se despediam do dia, enquanto que os animais ferozes começaram a emitir os seus primeiros esturros, conclamando os companheiros para a hora da caçada.
Mas os problemas do novato caçador ainda não haviam terminado. Muito pelo contrário. Do alto do seu ponto de observação, escuridão se aproximando celeremente, o caçador olhou para baixo e viu algo que o deixou apavorado. Encostada no tronco de uma árvore mais baixa, à cerca de dez, doze metros de onde estava, havia ficado a sua espingarda de caça. Esquecera a mesma quando procedeu a subida na árvore. Droga! Nenhum dos companheiros se dera conta também de que a sua arma estava ficando no chão!
Olhou mais uma vez a espingarda e, preocupado com a sua sorte, resolveu descer para apanhá-la.
Não tinha outra escolha, concluiu.
Caso contrário, perderia a sua primeira noite de caçada e, ainda por cima, seria alvo da gozação dos companheiros que já estavam desconfiados da sua capacidade de caçador. Assim, começou a difícil empreitada de ir buscar a espingarda no solo. Mas não tardou muito a alcançá-la, pressionado que estava pela escuridão que já se fazia sentir. Mas, se descer fora uma tarefa até certo ponto fácil, subir novamente já eram outros quinhentos.
Tentou a primeira escalada atracando-se na árvore com todo afinco, espingarda atada nas costas. E conseguiu, a muito custo, subir penosos cinco metros. Cansado e sem forças, começou a escorregar caule abaixo ralando dolorosamente as coxas e o ventre na casca dura do tronco. Não desistiu, porém. Tentou subir uma segunda vez. Não alcançou mais do que três metros de altura, sendo que a descida foi mais dolorosa ainda. Feriu a barriga, as mãos e as pernas ao ponto de lhe brotar sangue das partes atingidas.
Na terceira tentativa, já sem forças, - e machucado -, quase não conseguiu sair do chão. Fez uso do que lhe sobrou: começou a se lastimar.
E repreendeu-se por ter tido a infeliz ideia de descer para apanhar sua espingarda. Teria sido mais ajuizado esperar a manhã chegar, descer e, então, justificar para os companheiros que não havia entrado caça alguma na sua espera.
Agora já era tarde. Tomara a decisão errada e tinha que procurar uma saída para o caso. Tinha consciência de que se ficasse ali no chão seria facilmente devorado por uma onça. Ou por algum outro animal feroz. O certo é que até mesmo um coelho o amedrontaria naquele lugar isolado.
Olhando em redor, pavor estampado no rosto, mãos trêmulas e feridas, avistou uma arvoreta esgalhada e de caule inclinado, quase na horizontal. Dirigiu-se rapidamente para lá.  E, mesmo naquela árvore baixa, quase não conseguiu subir. O esforço que fizera momentos antes lhe cobrava preço alto agora. Enfim, conseguiu.
Acomodado em uma forquilha do quase arbusto, observou que estava muito próximo do chão ainda. Pensou mais. Se ele havia conseguido subir até ali, qualquer outro animal bravio também conseguiria. Isso era fato.
Depois, a noite era muito longa para ficar naquela posição desconfortável. Tinha mais. A noite era longa e a cruviana logo viria para atormentá-lo também. Sabia que lá pelas tantas horas lhe seria exigido que usasse um casaco para se proteger. E ele havia deixado o seu dentro da mochila, lá no alto. Apavorou-se com a perspectiva que tinha, mas resolveu ficar quieto no seu canto e aguardar pelos acontecimentos. Hombridade. Era o que precisava demonstrar. Afinal, não era um rato. Ficou assim até próximo das dez horas da noite. Portou-se como um herói. E isso inflou o seu ego. Mas a floresta estava se unindo contra ele, isso tinha certeza. Agora, por exemplo, o barulho feito pelas onças, aves noturnas e porcos-do-mato, era tremendo. Baixou a guarda.
Apavorado com a sua perspectiva, e pelos sons que brotavam do fundo da mata, deixou a vergonha de lado e abriu a boca no mundo. Gritou muito e disparou alguns tiros de espingarda.
Foi ajudado pelo eco promovido pela floresta.
E foi ouvido por dois dos outros caçadores que haviam ficado mais próximos dele. Preocupados com a possibilidade de o companheiro ter sido atacado por algum bicho feroz os colegas correram em seu socorro. E o encontraram em completo estado de desespero.
Estava com os olhos esbugalhados, quase para saltar das órbitas. E da sua boca já escorria um fio de baba. Em nada se parecia com aquela empolgada cópia de herói de folhetim que haviam deixado horas antes ali.
E uma verdade os fez refletir em favor do amedrontado caçador: com tanto barulho, todas as caças devem ter sido espantadas para bem longe dali. Então resolveram retornar para a sede da fazenda. Naquela noite não daria para caçar mais nada.
Mas antes, precisavam adotar a lei das caçadas: o atrapalhado caçador foi punido severamente com o castigo destinado aos do seu quilate. Após lhe retirarem toda a roupa do corpo, aplicaram-lhe uma sova com ramos verdes que o deixou com o corpo inteiro da mesma cor dos galhos; e igual àquele outro herói americano, o Incrível Hulk.
Mas ainda faltava a punição final: o aprendiz foi mandado para a cozinha. Foi escalado como o novo cozinheiro do grupo. 

 

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