segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

LAMPIÃO NÃO MORREU?


 José Pedro Araújo
Estive recentemente em Serra Talhada, município pernambucano no qual nasceu o rei do cangaço, e verifiquei que a imagem de Lampião está cada vez mais viva, especialmente entre os mais jovens. E se no passado os fãs do rei da caatinga eram pessoas pobres, desprotegidas e acossadas pelos coronéis, hoje seus adoradores são pessoas bem postadas na sociedade, esclarecidas, a maioria portadora de diploma universitário. Um desses cidadãos, Anildomá Wilians de Souza, é escritor e vive da exploração da imagem e da venda de seus livros sobre o maior bandoleiro nordestino. Além disto, percorre os sertões ministrando palestras sobre o seu tema predileto, enquanto continua suas pesquisas por todas as cidades e povoados por onde andou Lampião.

A bela e pujante cidade de Serra Talhada, assim como outras cidades como Piranhas, em Alagoas, e Angicos, em Sergipe, até já conta com um museu sobre o rei do cangaço. Ali, além de uma monumental exposição de fotos e de alguns adereços do cangaceiro, são também comercializados livros, chaveiros, literatura de cordel e pequenos objetos de cerâmica com a imagem do mais famoso bandoleiro da caatinga. Existe até mesmo uma fundação (Fundação Cultural Cabras de Lampião) cujo objetivo único é perpetuar a imagem do cangaço e de seus principais líderes, notadamente os mais famosos e conhecidos, como Jesuíno Brilhante e Sinhô Pereira, seus precursores, e Lampião e Maria Bonita, Corisco e Dada, seus sucedâneos mais importantes. Esse grupo de divulgação, composto por jovens serra-talhadenses, apresenta-se nas cidades nordestinas do interior, e até mesmo em algumas capitais, paramentado com vestes de cangaceiro e dança o popular xaxado, ritmo musical apreciado pelos bandoleiros na época. Têm feito esses jovens muito sucesso por onde andam.

A minha surpresa foi maior porque, há cerca de trinta e cinco anos, visitei Serra Talhada pela primeira vez e nessa época não ouvi uma só referência ao famoso bandoleiro. Notei até mesmo um misto de repúdio e vergonha quando se citava o nome do conterrâneo famoso. O que mudou daquele tempo para cá? Qual a razão dos jovens de hoje venerarem tanto a figura do rei do cangaço, se não conhecem ninguém que tenha pertencido ao bando dele?  Talvez esteja em andamento um processo para tentar resgatar a imagem do bandoleiro, um processo revisionista sendo construído. Somente assim posso entender por que tantos jovens se interessam hoje pela história do cangaço e de seus principais personagens. Prova cabal desta afirmação, é que em 1991, no dia 07 de setembro, a população de Serra Talhada foi às urnas em plebiscito para decidir uma questão simples: era Lampião herói ou bandido? A pergunta surgiu porque um vereador da cidade queria que o município mandasse erigir uma estátua do cangaceiro. E como estátua só se manda erigir para os heróis, decidiram-se pelo plebiscito para responder à pergunta.
Foram os cidadãos então às urnas.
E, pasmem: 79% dos votantes decidiu que Lampião era um herói das caatingas nordestinas.

Chama atenção nesse assunto, que a quantidade de livros lançados com esse tema vem aumentando muito nesses últimos anos. Pesquisadores famosos como Frederico Pernambucano de Mello, da Fundação Joaquim Nabuco, autor, a nosso ver, do melhor livro sobre o cangaço e suas motivações, intitulado Guerreiros do Sol, tem se dedicado sem descanso em busca de novas pistas e de respostas para o tema que tanto atrai o povo nordestino. Acredito que sejam esses novos autores, que vieram se somar às dezenas de outros mais antigos, a principal razão do florescimento da história do cangaço no seio do público jovem nordestino. É bem verdade que o tema é por demais instigante, uma vez que esses “bandoleiros das selvas nordestinas”, como tão bem cantou o poeta, são parte da nossa história, e sua saga não deve ser esquecida. Antes, deve-se tirar dela exemplos importantes de como não se deve proceder em relação às classes menos favorecidas.

Se fizermos uma comparação com o passado, iremos encontrar também em outros países, bandoleiros famosos que tiveram a sua imagem reconstruída, banhada e enxaguada, até deixarem-na com um aspecto mais aceitável, com um brilho épico. Uma história atraente, por fim. Vejam-se o caso de Robin Hood, bandoleiro que, conforme se passou a divulgar, habitava as selvas da Inglaterra (Floresta de Sherwood). Diz a lenda, que assim como Lampião esse indivíduo entrou para o mundo do crime para vingar a morte do pai, passando a roubar dos ricos para distribuir com os pobres. Billy the Kidd, Jesse James e seus irmãos, além de Bufallo Bill e Doc Hollyday, são bandoleiros famosos que foram incensados pelo cinema americano até se transformarem em heróis da colonização do velho oeste. Viraram mitos.

Do mesmo modo, os nossos historiadores passaram um corretivo na história manchada com muito sangue e transgressão das leis vigentes, para dar nova vida, agora com mais glamour, aos personagens do cangaço. E assim ressuscitaram o velho bandoleiro da caatinga.

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