José Pedro Araújo
Estive
recentemente em Serra
Talhada, município pernambucano no qual nasceu o rei do cangaço,
e verifiquei que a imagem de Lampião está cada vez mais viva, especialmente
entre os mais jovens. E se no passado os fãs do rei da caatinga eram pessoas
pobres, desprotegidas e acossadas pelos coronéis, hoje seus adoradores são
pessoas bem postadas na sociedade, esclarecidas, a maioria portadora de diploma
universitário. Um desses cidadãos, Anildomá Wilians de Souza, é escritor e vive
da exploração da imagem e da venda de seus livros sobre o maior bandoleiro
nordestino. Além disto, percorre os sertões ministrando palestras sobre o seu
tema predileto, enquanto continua suas pesquisas por todas as cidades e
povoados por onde andou Lampião.
A
bela e pujante cidade de Serra Talhada, assim como outras cidades como
Piranhas, em Alagoas, e Angicos, em Sergipe, até já conta com um museu sobre o
rei do cangaço. Ali, além de uma monumental exposição de fotos e de alguns
adereços do cangaceiro, são também comercializados livros, chaveiros,
literatura de cordel e pequenos objetos de cerâmica com a imagem do mais famoso
bandoleiro da caatinga. Existe até mesmo uma fundação (Fundação Cultural Cabras
de Lampião) cujo objetivo único é perpetuar a imagem do cangaço e de seus
principais líderes, notadamente os mais famosos e conhecidos, como Jesuíno
Brilhante e Sinhô Pereira, seus precursores, e Lampião e Maria Bonita, Corisco
e Dada, seus sucedâneos mais importantes. Esse grupo de divulgação, composto por
jovens serra-talhadenses, apresenta-se nas cidades nordestinas do interior, e
até mesmo em algumas capitais, paramentado com vestes de cangaceiro e dança o
popular xaxado, ritmo musical apreciado pelos bandoleiros na época. Têm feito esses
jovens muito sucesso por onde andam.
A
minha surpresa foi maior porque, há cerca de trinta e cinco anos, visitei Serra
Talhada pela primeira vez e nessa época não ouvi uma só referência ao famoso
bandoleiro. Notei até mesmo um misto de repúdio e
vergonha quando se citava o nome do conterrâneo famoso. O que mudou daquele
tempo para cá? Qual a razão dos jovens de hoje venerarem tanto a figura do rei
do cangaço, se não conhecem ninguém que tenha pertencido ao bando dele? Talvez esteja em andamento um processo para
tentar resgatar a imagem do bandoleiro, um processo revisionista sendo
construído. Somente assim posso entender por que tantos jovens se interessam
hoje pela história do cangaço e de seus principais personagens. Prova cabal
desta afirmação, é que em 1991, no dia 07 de setembro, a população de Serra
Talhada foi às urnas em plebiscito para decidir uma questão simples: era Lampião
herói ou bandido? A pergunta surgiu porque um vereador da cidade queria que o
município mandasse erigir uma estátua do cangaceiro. E como estátua só se
manda erigir para os heróis, decidiram-se pelo plebiscito para responder à
pergunta.
Foram
os cidadãos então às urnas.
E,
pasmem: 79% dos votantes decidiu que Lampião era um herói das caatingas
nordestinas.
Chama
atenção nesse assunto, que a quantidade de livros lançados com esse tema vem
aumentando muito nesses últimos anos. Pesquisadores famosos como Frederico
Pernambucano de Mello, da Fundação Joaquim Nabuco, autor, a nosso ver, do melhor
livro sobre o cangaço e suas motivações, intitulado Guerreiros do Sol, tem se dedicado sem descanso em busca de novas
pistas e de respostas para o tema que tanto atrai o povo nordestino. Acredito
que sejam esses novos autores, que vieram se somar às dezenas de outros mais
antigos, a principal razão do florescimento da história do cangaço no seio do
público jovem nordestino. É bem verdade que o tema é por demais instigante, uma
vez que esses “bandoleiros das selvas nordestinas”, como tão bem cantou o poeta,
são parte da nossa história, e sua saga não deve ser esquecida. Antes, deve-se tirar dela
exemplos importantes de como não se deve proceder em relação às classes menos favorecidas.
Se
fizermos uma comparação com o passado, iremos encontrar também em outros países,
bandoleiros famosos que tiveram a sua imagem reconstruída, banhada e enxaguada,
até deixarem-na com um aspecto mais aceitável, com um brilho épico. Uma
história atraente, por fim. Vejam-se o caso de Robin Hood, bandoleiro que, conforme se
passou a divulgar, habitava as selvas da Inglaterra (Floresta de Sherwood). Diz
a lenda, que assim como Lampião esse indivíduo entrou para o mundo do crime
para vingar a morte do pai, passando a roubar dos ricos para distribuir com os
pobres. Billy the Kidd, Jesse James e seus irmãos, além de Bufallo Bill e Doc
Hollyday, são bandoleiros famosos que foram incensados pelo cinema americano
até se transformarem em heróis da colonização do velho oeste. Viraram mitos.
Do
mesmo modo, os nossos historiadores passaram um corretivo na história manchada
com muito sangue e transgressão das leis vigentes, para dar nova vida, agora
com mais glamour, aos personagens do
cangaço. E assim ressuscitaram o velho bandoleiro da caatinga.
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