Antes,
preciso fazer aqui uma ressalva: já havia me encontrado com os Beatles anos
antes. Contudo, não sabia que se tratava deles, no que pese a fama
estratosférica dos Quatro Jovens de Liverpool. E esse primeiro contato
incógnito se deu quando ouvi pela primeira vez a música And I Love Her, no final do ano de 1.965, pelas ondas da rádio
Timbira do Maranhão. Nesse tempo eu passava as minhas tardes tomando conta da
loja do meu pai situada na Rua Grande, mesmo sem saber responder nada sobre os
preços dos artigos à venda. A loja comercializava tecidos, perfumaria, cintos,
peças de plásticos, chapéus finos, entre outros produtos. E meu pai, para poder
discutir preços com a clientela, apreçava os artigos com dois códigos com
letras do alfabeto. O primeiro trazia o valor de custo do produto, enquanto que
o segundo identificava o valor mínimo que a mercadoria poderia ser vendida. Eu,
criança ainda, desconhecia a forma de conversão das letras em números, razão
pela qual, sempre que aparecia algum cliente, tinha que chamar por meu pai ou pela
minha mãe para atendê-lo.
A
minha função, portanto, era apenas vigiar a loja nas horas mortas da tarde,
quando a clientela permanecia em suas casas curtindo a sesta e protegendo-se da
canícula impiedosa da tarde. Nessas horas, ficava eu de sentinela, enquanto
meus pais também tiravam o seu rápido cochilo em redes brancas e perfumadas.
Irrequieto como toda criança, eu sentia que aquilo era uma forma disfarçada de
me castigar pelas estripulias que costumava realizar. Assim, insatisfeito com o
“aprisionamento”, resolvi que precisava fazer alguma coisa para matar o tempo e
superar a insatisfação de ver os meus colegas irem para o jogo de futebol na
Praça Diogo Soares ou tomar banho no riacho Firmino. Tinham tolhido o meu
tempo, acreditava.
Voltando
ao assunto do título acima. Para aqueles que se surpreendem com o fato de
somente ter tomado conhecimento da existência da mais famosa banda do mundo já
próximo da sua extinção, justifico dizendo que naquela época a televisão ainda
não havia chegado até nós, e que as revistas de variedades chegavam na cidade
com um preço muito alto. Não dava para mim. Assim, o rádio era o principal
veículo de comunicação que nos chegava, trazendo notícias e tocando as músicas
de sucesso que ocupavam os primeiros lugares nas paradas.
Encontrei,
então, a forma de superar a lentidão do tempo: ouvir música em um velho rádio
portátil que o meu genitor mantinha encostado em um canto por estar sem
serventia. Tive que improvisar uma antena para ele com algumas cordas de aço
para violão, e que comercializávamos também. Trabalho feito, vi que o problema estava
sando ao ligar o aparelho, pois o som que saiu do receptor era de boa
qualidade. Passei a sintonizar algumas emissoras de rádio em diversos Estados,
como a Globo do Rio, a Sociedade da Bahia, a Clube de Pernambuco, e a Timbira
de São Luis. Na Clube de Pernambuco tinha predileção pelo Programa do Bolinha,
que transmitia os maiores sucessos do Hit
Parade na época. Enquanto que na Timbira ouvia o programa Alegria na Taba, e foi nesta que ouvi
pela primeira vez a música And I Love
Her. Não fiquei sabendo quem cantava, mas achei a música especialmente bela,
mesmo sem compreender uma só palavra que eles diziam.
Dois
anos depois, ocorreu o meu encontro definitivo, que considero o primeiro, com a
maior e mais badalada banda de música de todos os tempos: The Beatles. Já
estudava no Ginásio Presidente Dutra e certo dia, ao entrar na sala de aula,
encontrei alguns colegas travando uma ácida discussão sobre o nome correto de
certa banda de música, cujo rosto dos quatro componentes aparecia na capa de
trás de um caderno que os garotos traziam nas mãos. Nessa época a língua
estrangeira ensinada no colégio era o Francês, portanto, não sabíamos nada de
Inglês. Discussão vai, discussão vem, e um dos colegas resolveu pedir a minha
opinião sobre a pronúncia correta do nome estampado no alto da capa. Gaguejei
qualquer coisa que não me lembro, mas, com certeza, não respondi o que eles
queriam. O que ficou na minha memória, entretanto, foi o rosto dos quatro
rapazes, com o nome destacado sob cada um: John Lennon, Paul McCartney, George
Harrison e Ringo Star. Nunca mais esqueci a imagem nem tampouco o nome daquele
grupo. Aquele foi, de fato, o nosso primeiro encontro.
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