quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Antônio Galinha






Cinco da matina. Nem um minuto a mais. A cidade ainda na semiescuridão acordava com um barulho ensurdecedor de buzina. Melhor dizer de buzinas. A que escandalizava o pessoal era do tipo movida por ar comprimido e possuía quatro cornetas. Fazia um barulhão. Quem se preparava para viajar, apressava os últimos preparativos e rumava para a Praça da Bomba, pois sabia que o velho Galinha não admitia atrasos. Os outros moradores da região, também retirados do sono profundo pelo conjunto de gaitas, viravam-se de lado em busca novamente do sono. Precisavam aproveitar os últimos minutos que ainda lhes restava da noite. Uns poucos resmungos, mas ninguém se importava de fato. Era o velho Antônio Galinha quem acordava meia cidade para alertar que o velho Chevrolet Misto partiria daí a instantes com destino a Teresina, no Piauí. Faço aqui uma interrupção para dizer que Misto - para os mais novos - era um tipo de transporte que possuía meia cabine para os passageiros e o restante era ocupado pela carroceria aberta para transportar a bagagem. 

O motorista, Antônio Galinha, era um piauiense bem humorado, baixo no tamanho, barriga estufada e barba sempre por fazer. E tinha como marca registrada a camisa sempre aberta a mostrar um peito cabeludo e já com muitos fios brancos. O homem era um ás no volante. Nos muitos anos que atendeu à comunidade nunca provocou um acidente que viesse a, pelos menos, provocar machucaduras nos seus passageiros
.
O Misto partia de Presidente Dutra às cinco da manhã, como já afirmei acima, e chegava em Teresina lá para o final da tarde. Para quem se admira com o tempo gasto, basta dizer que no passado essa viagem levava mais de um dia. Naquele tempo, a estrada era praticamente um caminho para carro de boi. Agora não. Transitávamos por via piçarrada e num transporte apropriado para carregar passageiros. Não mais em cima de caminhões sujeitos às intempéries e poeira. Bem, a poeira ainda se mantinha como um problema. Mas os bancos de madeira já possuíam acolchoamento de plástico. Um luxo e um progresso em relação aos velhos e duros bancos de madeira. 

Foi com o Galinha que eu fiz a minha primeira viagem interestadual. Corria o mês de janeiro do ano de 1966 e o passeio para o Piauí eu ganhei por ter sido aprovado no primeiro ano do ginásio. Foi um deslumbramento, apesar de o ônibus ter quebrado mais de uma vez. O último prego foi definitivo. O Misto não conseguiu mais prosseguir, apesar dos esforços do velho motorista. Tivemos que fazer um baldeamento, e o restante da viagem se deu em outro carro que nos socorreu. Mas pude me deliciar com as luzes da cidade já acesas. Foi outro deleite atravessar o Rio Parnaíba e ver as lâmpadas reluzindo, refletidas nas águas escuras do velho monge. Mas isso já é outra história.

O velho Misto do Galinha ainda transportou os passageiros do Curador por muitos anos, até ser confrontado com o futuro. Foi superado pelos novos modelos de ônibus, os tais expressos e suas carrocerias de metal. Acima temos uma foto de um Misto para ilustrar os modernos tempos que vivíamos. Encerro a presente crônica com um esclarecimento: o proprietário e motorista do Misto não tinha o menor complexo pelo nome estranho. Até mandou desenhar figuras de galinhas nas laterais da carroceria!

2 comentários:

  1. Boa noite,gostei muito de ver a sua postagem sobre ônibus misto de Antonio Galinha, que conheci pessoalmente na década de 50 em Água Branca-PI. Também vi a foto da ponte que liga Teresina a Timon, conheço ali muito bem, pois tomei banho sob a mesma muitas vezes, na época em que morei em Teresina de: 1955 a 1962. hoje moro em Brasilia-DF.
    Assinado:José Gomes de Lima

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    1. Muito legal que tenha gostado dos textos e acrescentado às suas lembranças. Antonio Galinha me transportou para esta cidade de Teresina, na primeira vez que aqui estive, lugar que escolhi para viver. E a ponte faz parte da paisagem da cidade e dos meus sonhos de adolescente. Grande abraço. Continue nos prestigiado com os seus acessos a este blog.

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