domingo, 1 de fevereiro de 2015

A INFLAÇÃO E MEUS CACHORROS



   José Pedro Araújo

Nos dias atuais estão todos mirando contra o velho dragão da inflação que teima em retornar ao dia-a-dia dos brasileiros. O governo estrebucha daqui – e aproveita para aumentar os preços dos serviços públicos bem acima dos índices inflacionários - a imprensa alardeia que o mundo vai sucumbir brevemente ao novo surto de aumento dos preços dos alimentos; e a população (coitado do povão!) sem saber o que fazer para escapar da sanha arrecadadora do poder público e a defender, ao mesmo tempo, a manutenção do padrão mínimo de vida, vai navegando nesse mar encapelado, fugindo do ataque avassalador de dragões e leões.
A propósito disto, estava outro dia confabulando com meus botões sobre a perda do poder de compra dos salários dos trabalhadores nesses anos que os homens do governo insistem em classificar como de baixíssima inflação (quando é para reajustar os salários. Pois quando é para elevar os preços dos serviços por ele prestados à população, comporta-se como se ainda vivêssemos em tempos de hiperinflação). Foi então que me veio à mente a situação dos meus dois cachorros.
Velhos companheiros que me ajudam a dormir sossegadamente nesses dias de violência extrema, sempre me preocupei em lhes oferecer uma dieta à base de ração de boa qualidade. Pois não é que de uns tempos para cá comecei a procurar por aquele tipo de produto com preços menores, deixando de lado a sua qualidade! Estou procedendo como fazemos com o que nós próprios consumimos: o que vai para o carrinho do supermercado é o similar mais barato, deixando-se de lado a qualidade do produto.
E isso acontece porque sempre que retornamos às compras encontramos alguma coisa com preços majorados, quando não a grande maioria dos produtos que compõe a nossa cesta básica.
Voltando ao enunciado do título: outro dia a moça que trabalha conosco alertou que a comida dos cachorros havia acabado desde o dia anterior. Esperneei, por entender que estava sendo ministrada em excesso a quantidade servida aos meus caninos e que, por esta razão, o produto da semana havia-se acabado tão rapidamente. E, de repente, o que começou como um princípio de revolta descambou para a brincadeira, à falta de uma solução que resolvesse o problema sem que eu tivesse que meter a mão no meu velho e surrado bolso já quase sem tostão.  Imaginei que a minha reclamação tivesse chegado até aos ouvidos dos meus dois amigos caninos, que reagiram assim: “ouviu Stalin, não bastasse já terem reduzido a qualidade do nosso alimento, agora querem reduzir também a quantidade” – reclamou Preto, o cachorro mais novo.  E Stalin, o velho pastor Alemão, já com a audição um pouco comprometida, retrucou com o seu costumeiro mau-humor: “ora, ora, eles que tentem tirar a claridade da gente! No escuro é que eu não trabalho mesmo!” – concluiu voltando a dormir, não sem antes tentar alcançar com uma dentada uma pulga que o incomodava. “Estou falando em qualidade e quantidade de alimentos, velho surdo!” – arrematou o arisco Preto – “Só mesmo um cachorro que não enxerga mais direito é que ia pensar em claridade. Mas, pensando bem, não me admiraria nada se estivessem tramando nos deixar em completa escuridão, apagando todas as lâmpadas da casa para economizar. Afinal, a reclamação é grande nesse tempos de retorno da tal inflação”.
Pois é. Se eu pudesse entender o que o Stalin e o Preto tanto falam um com o outro, especialmente quando passam do diálogo ameno e tranquilo para um enrosco recheado de mordidas, gritos e uivos, certamente identificaria uma ponta de revolta em razão da diminuição da qualidade dos produtos que estamos a lhe servir. E eu, como não tenho a quem reclamar, pois a turminha do meu sindicato está muito satisfeita com o cala-a-boca que recebeu do governo (é isso mesmo: todos eles deram com a mão em alguma teta apetitosa desse grande úbere que atende pelo nome de cargo público de confiança), só me resta reduzir a minha já minguada cesta básica, trocando-a por outra ainda menor. Isso tudo porque o meu empregador não tem medo de mim; medo da deflagração de uma greve ou coisa parecida. Eu, ao contrário, morro de medo de uma rebelião dos meus cachorros.

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