Poderíamos
começar assim, cheio de salamaleques, com rapapés e
mesuras. Mas isso não acontece no Bar Brasil, em Campo Maior, charmosa cidadezinha
encravada no interior do Piauí. Agora, quem quiser pode entrar. Mas depois não
reclame do atendimento. Amigos nunca reclamam do atendimento recebido. E aqui
reina a alegria, o companheirismo e a confiança. Nunca o servilismo, a
empulhação e a desonestidade. Principalmente a desonestidade. O ambiente é
agitado, sim senhor! Mas, é seguro. As discussões aqui nunca terminam em
vias-de-fato, em lavagem da honra. Ao contrário, aqui reina a amizade e a
alegria, a paz e a concórdia.
Como a alegria, se só tem homem? Impossível de acreditar? Então venha para o Bar Brasil e tome um gole conosco
da cerveja mais gelada deste quente Piauí.
Estou me referindo ao Evilásio, mercearia
(se precisar de farinha, rapadura da Boa Hora, bem enceradinha, aqui tem, e da
melhor, meu amigo!), cassino (lá também tem uma pequena máquina caça-níquel,
sim senhor!), farmácia (quer comprar Anador, sal de fruta, um estimulante para
libido derrubado?), mas, principalmente, bar. Um animando bar. É certo que não
é um bar muito organizado, com mesas e cadeiras ao dispor do
cliente cansado. Mas o pé do balcão é serventia da casa. Aliás, cadeira há uma
logo na entrada, ocupada por um antigo cliente para impedir que os pés-inchados entrem para amolar a
freguesia contumaz.
E era lá, no pé do largo balcão onde
os clientes (somente para usar um termo técnico), se mantinha devidamente de pé,
tomando a sua geladinha e comendo o tira-gosto trazido por ele mesmo, que
estava eu pela primeira vez. (Sim, lá também não se faz tira-gosto! A menos que
você aceite um pequeno saco de batatas fritas, desses vendidos para crianças
nas melhores mercearias do ramo). E eu que não dispenso alguma coisa salgada
para acompanhar a minha cervejinha, fui logo me agarrando a um desses petiscos.
Nesse momento, quando meu amigo
Chiquinho terminou de fazer as apresentações ao proprietário, passou um cliente por mim. E logo foi se espremendo entre a parede e o canto do balcão para entrar no interior do estabelecimento. Parecendo dono do lugar, abriu a
geladeira e apanhou uma garrafa de Mangueira gelada, e que parecia já está à
espera dele. Voltou ao balcão e depositou-a, juntamente com dois cajus que
trouxera consigo, sobre um pedaço de papel de embrulho. O guardanapo
improvisado substituía o prato que eu nem sei se existe algum por ali. Do outro
lado, ou seja, do lado que os clientes costumam ficar, um amigo que viera junto
com ele já estava devidamente acotovelado, olhos fixos na garrafa de cachaça,
língua nervosa limpando os beiços, enfeitiçado pela possibilidade de tomar um
trago daí a instantes. E o Evilásio, aparentemente, nem se deu conta da chegada
dos dois clientes! Desatento, a servir uma cerveja a outro sujeito que parecia
mais alegre que os demais, só foi interrompido pelo apelo de outro rapaz que
havia espalhado uma grande quantidade de moedas de vinte e cinco centavos sobre
o encardido balcão de madeira: “Bode, filho da mãe! Se não me der o dinheiro
agora mesmo, eu levo essas moedas comigo!” – reclamou o cliente em tom bem
humorado elevando o copo com o liquido bem gelado à boca.
“Não pode levar minhas moedas,
branquelo veado!” – Evilásio pareceu sair da sua tranqüilidade pela primeira
vez. Mas só aparentemente, pois logo estava rindo para o rapaz que nem se
importou com a resposta desaforada.
Mais tarde fiquei sabendo que
aquelas moedas o rapaz ganhara na máquina caça-níqueis, e que o Evilásio
precisava delas para recarregá-la novamente.
Lá da porta veio um grito animado
para alegrar mais ainda o ambiente. O som estridente veio de um cliente baixinho e
gordinho, bigode de dançarino de Tango. O animado cliente chegava trajando uma
camisa de uma cervejaria para quem trabalhava: “Bode, tem uma faca aí para me
emprestar? Vou cravá-la fundo no meu coração para matar a saudade que essa
maldita música me traz! – justificou o pedido para gargalhada dos presentes – Ô
música covarde!”.
A música a que se referia o cliente saía de uma
pequena caixa de som pregada no alto da parede, quase na entrada. Junto dela,
muitos cartazes de mulheres quase peladas faziam apologia de algum produto
masculino. E lá do alto a caixinha lançava no ar a voz chorosa de
Valdick Soriano, que ninguém parecia prestar atenção, somente o cliente que
acabara de chegar.
Mais que animado, o gordinho foi se chegando ao
balcão e logo passou a cumprimentar efusivamente os velhos conhecidos de
sempre.
“Vai
uma Brahma aí, Pança?” – indagou o dono do bar a título de saudação.
“Que é isso, amigão? – E eu sou
homem de trocar a minha Skol por uma beberagem qualquer?” – respondeu no mesmo
diapasão o homem que vestia a camisa da cervejaria para quem
trabalhava.
“Evilásio, me troca esses vinte
reais em duas notas de dez!” – falou uma mulatinha magra, rosto suado, lábios
pintados de vermelho-sangue, e calças jeans bem apertada na bundinha batida, “quase sem carne para
encher um pastel”, como comentou logo depois um freguês mais observador. Entrara
tão sorrateiramente que ninguém se deu conta dela antes que falasse com o
dono do local.
“Essa
ai começou a trabalhar cedo hoje!” – observou outro rapaz quando a moça saiu do
bar para o escuro da rua.
“Tem gosto para tudo, meu amigo.
Hoje em dia se vende até mel de fumo!” - respondeu o outro enquanto observava a
mulatinha sumir na noite.
Do outro lado, uma reclamação:
“Evilásio, troca essa música de
corno aí, meu camarada!” – protestou um cliente que até então se mantivera
calado, na ponta oposta do balcão.
“Quer que eu bote uma música para
veado, bonequinha?” – respondeu o dono em tom de riso.
“Quero, sim! Bota aquela que tu mais
gosta, colega!”.
E a noite só estava começando. Lá
fora, vindo da estação rodoviária, o barulho dos carros que chegavam e partiam
era de afligir qualquer um. Em momentos, parecia que o ônibus estava entrando
de ré no próprio salão, tal era o ruído e a quantidade de fumaça que despejava
no local. Mas ninguém parecia se dá conta disso, pois no recinto o barulho
provocado pelos clientes parecia muito maior. E a fumaça lançada pelos cigarros
dos circunstantes deixava o ambiente mais velado que filme usado.
“Não deixa entrar, Bico-de-Birita!”
– falou Evilásio atento ao vigia que tinha dificuldades para conter um bebadozinho
que tentava furar o bloqueio que ele fazia aos indesejáveis.
“Só uma, seu Bode!” – argumentava o
pé-de-cana.
“Essa história você me diz desde o
início da tarde. Já são mais de cinco doses. Agora acabou!” – retrucou Evilásio
sem parecer está nem um pouco irritado com a insistência. Aliás, ele parecia
não se afligir com nada nesse mundo. Passavam os dias, as noites e ele sempre
levando a vida sem a menor pressa, sem demonstrar agitação.
Como toda regra cabe exceção, aqui
também podemos achar uma. Somente uma vez na semana ele se apressava em ir para
casa. Isso se dava ao meio dia do domingo. Exatamente nesse horário, nem mais,
nem menos, quando o relógio da parede montava o ponteiro grande sobre o pequeno
no alto do mostrador, ele apanhava a bolsa, limpava a gaveta, deixando apenas
alguns reais para o troco, e rumava para casa para o almoço com a família. Disso não abria mão. Era
seu único período de descanso semanal também.
Lá no bar "O Evilásio" ficava os últimos consumidores tomando conta do ambiente
que permanecia aberto, mas sem a presença de seu proprietário. Era praxe. O último a
permanecer no salão, antes de seguir cambaleante para casa, apagava as luzes e
baixava as portas de metal. Depois que o pileque passasse devolveria as chaves
ao verdadeiro dono.
Pronto! Estava encerrado o
expediente. Domingo a qualquer hora. Somente na segunda-feira, de manhã, as portas do Bar Brasil seriam
novamente levantadas para mais uma semana de trabalho puxado. Trata-se de uma cópia fiel
deste país de contrastes e aparente desorganização que tanto encanto traz a
todos os que têm a sorte de conhecê-lo.
Pitoresco como este Bar Brasil era ou é (não sei se ainda existe) o Bar do Bigode que existia lá pelas bandas do Albertão, aqui em Teresina. Lá o maior consumidor e freguês era o próprio dono, grande sorvedor de ilimitados copos de cerveja. Os outros fregueses, todos amigos do Bigode, se serviam diretamente no velho freezer e anotavam na bolorenta caderneta do fiado, para posterior acerto de contas. Não conheço o fim desta estória, mas sei que o Bigode funcionou assim, na base da confiança, por muitos anos..., mas será que sobreviveria hoje com tantos petistas beberrões por aí?
ResponderExcluirSão coisas assim que tornam o mundo interessante. Seria bom ver se esse bar ainda existe!
ExcluirPitoresco como este Bar Brasil era ou é (não sei se ainda existe) o Bar do Bigode que existia lá pelas bandas do Albertão, aqui em Teresina. Lá o maior consumidor e freguês era o próprio dono, grande sorvedor de ilimitados copos de cerveja. Os outros fregueses, todos amigos do Bigode, se serviam diretamente no velho freezer e anotavam na bolorenta caderneta do fiado, para posterior acerto de contas. Não conheço o fim desta estória, mas sei que o Bigode funcionou assim, na base da confiança, por muitos anos..., mas será que sobreviveria hoje com tantos petistas beberrões por aí?
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