Foto extraída do Blog da Kakaia |
José Pedro Araújo
Às
vezes me assalta uma saudade estupenda das manhãs vividas na casa dos meus
pais, quando nos sentávamos à mesa para o café da manhã. Nessas ocasiões me vem à lembrança o leite fumegante, o café cheiroso e convidativo no bule que acabara de vir da cozinha, e
o mais importante: o bolo de arroz ainda morninho, frito no azeite de coco
babaçu. Não era sempre assim, mas é a imagem que me vem à mente. Tratava-se de um manjar dos deuses para o meu paladar de menino sertanejo. Àquele
tempo, não tínhamos o presunto - que nem conhecíamos ainda -, e muito menos o
iogurte e os achocolatados - que são presença cativa no café da manhã dos dias
de hoje. Também não tínhamos por hábito comer frutas da estação, como a banana
e o mamão, que existia fartamente na região, mas que não eram aproveitadas na
primeira refeição do dia. Assim, o café-da-manhã na maioria das casas, restringia-se
a um pão com manteiga ou a um cuscuz - de milho ou de arroz -, beijus de
tapioca ou uma porção de frito de carne bovina, consumidos com café adicionado
ao leite natural, saído das tetas das vacas momentos antes. Em algumas casas
maranhenses - poucas casas, eu diria -, serviam-se o tal bolo de arroz frito em óleo
de babaçu. Pelo aspecto avermelhado do couro curtido e a forma arredondada de
um chapéu de vaqueiro nordestino, recebeu o nome de chapéu-de-couro. Outros o
chamam de Orelha de macaco. Não me parece ser um nome apropriado a esse manjar
dos deuses.
Pois
esse bolinho com aspecto de disco voador tem para mim uma importância muito significativa,
caiu nas minhas graças e, sempre que tenho a oportunidade, regalo-me consumindo
alguns desses pequenos manjares. E uma dessas oportunidades se dava quando minha
mãe me visitava aqui em Teresina. Apesar dos protestos de que a massa ideal para
se fazer o gostoso bolinho somente é obtida ao pisar o arroz diretamente no
pilão – arroz colocado de molho no dia anterior - sempre conseguia empurrá-la para a
cozinha, usando como ingrediente a massa de arroz adquirida nos supermercados.
E na frigideira repleta de óleo fervente ela se esmerava na feitura dos bolinhos
que tanto agradam ao meu paladar, esquecendo-se da qualidade da massa utilizada.
Nesses dias, sentia-me uma criança a se deliciar com esses petiscos com gosto de
passado.
Outra
oportunidade que eu tenho de matar essa saudade eterna é quando vou ao meu
Curador. No mercado central ainda é possível encontrar os chapéus-de-couro do jeito que se fazia na minha época de criança.
Trata-se de uma tradição na minha região, herança passada de mãe para filha em
algumas casas maranhense, com o cuidado de um segredo industrial. Seguindo esse
principio culinário, uma tia minha, de saudosa memória, passou a sua receita
para uma nora. E esta perpetuou o costume e me contemplou com algumas dessas
deliciosas iguarias algumas vezes quando fui à cidade.
Encontrei
em Alcântara, bela e paradisíaca cidade litorânea maranhense, quando lá estive
certa vez, uma iguaria também de sabor espetacular. Assediado por alguns garotos que
vendiam uma espécie de pequeno doce em bacias de alumínio muito limpas e
brilhantes, fiquei curioso e resolvi adquirir alguns. Ao descobrirem a bacia, verifiquei que ela continha uma grande quantidade de pequenos bolinhos em formato
de vírgula, oblongas, com aquele pequeno rabicho puxado para baixo. Perguntado
sobre o que continham, soube que era uma espécie de doce-de-coco revestido com
massa de trigo frito em óleo fervente. Como também aprecio enormemente um doce,
seja de que tipo for, resolvi provar o petisco. Quase cai para trás. Tratava-se
de uma das mais saborosas iguarias que já tive a oportunidade de apreciar. E
logo, atraídos pela interjeição emitida por mim, meus filhos e minha mulher
resolveram também provar a guloseima. Ficaram extasiados também, como seria
normal que ficassem. Logo, não sobrou um só dos bolinhos na bacia e o garoto
voltou feliz para casa.
Depois disso, fomos abordando os pequenos vendedores que íamos encontrando pelo caminho para adquirir mais alguns bolinhos para fazer estoque e transportá-los até o hotel em São Luís, onde nos achávamos hospedados. Pena serem tão poucos. Duraram pouco tempo também. Ficou o desapontamento por não termos adquirido mais. Antes que me esqueça: o nome do manjar é Especiaria. Nunca mais me deparei com um deles. Somente são encontrados em Alcântara e arredores. É parte da tradição local.
Depois disso, fomos abordando os pequenos vendedores que íamos encontrando pelo caminho para adquirir mais alguns bolinhos para fazer estoque e transportá-los até o hotel em São Luís, onde nos achávamos hospedados. Pena serem tão poucos. Duraram pouco tempo também. Ficou o desapontamento por não termos adquirido mais. Antes que me esqueça: o nome do manjar é Especiaria. Nunca mais me deparei com um deles. Somente são encontrados em Alcântara e arredores. É parte da tradição local.
Pois
é. Cada região tem o seu pequeno tesouro alimentar, a sua iguaria inigualável. Assim,
na cidade da minha infância, tenho o meu apetecível e inesquecível bolinho Chapéu-de-couro.
Consumir uma porção deles mata de uma só vez a saudade da minha terra e dos
meus entes queridos, e traz para o presente, aquele gosto de passado e de
confiança na eternidade. São coisas simples assim, adquiridas com poucos reais,
que fazem com que a vida permaneça cheia de graça. Nesses momentos, bate-nos aquele desejo
de ficar por aqui mais alguns bons pares de anos.
Excelente crônica no formato volta à infância. Texto limpo, claro, simples e profundamente versátil na abordagem do cenário.
ResponderExcluirVocê, José Pedro, é um artesão no uso lapidado da palavra.
Gosto muito dos seus escritos!
Abraços
Remy Soares de Carvalho
Axixá do Tocantins, 3.1.2019
Obrigado, meu amigo. Nesse campo de exíguos leitores e parcas amizades, palavras como a sua alimentam o espírito de um operário que teima em não deixar morrer de inanição a história do nosso passado simples, mas de muita luta.
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