domingo, 8 de fevereiro de 2015

CAFÉ SERTANEJO

Foto extraída do Blog da Kakaia


José Pedro Araújo

Às vezes me assalta uma saudade estupenda das manhãs vividas na casa dos meus pais, quando nos sentávamos à mesa para o café da manhã. Nessas ocasiões me vem à lembrança o leite fumegante, o café cheiroso e convidativo no bule que acabara de vir da cozinha, e o mais importante: o bolo de arroz ainda morninho, frito no azeite de coco babaçu. Não era sempre assim, mas é a imagem que me vem à mente. Tratava-se de um manjar dos deuses para o meu paladar de menino sertanejo. Àquele tempo, não tínhamos o presunto - que nem conhecíamos ainda -, e muito menos o iogurte e os achocolatados - que são presença cativa no café da manhã dos dias de hoje. Também não tínhamos por hábito comer frutas da estação, como a banana e o mamão, que existia fartamente na região, mas que não eram aproveitadas na primeira refeição do dia. Assim, o café-da-manhã na maioria das casas, restringia-se a um pão com manteiga ou a um cuscuz - de milho ou de arroz -, beijus de tapioca ou uma porção de frito de carne bovina, consumidos com café adicionado ao leite natural, saído das tetas das vacas momentos antes. Em algumas casas maranhenses - poucas casas, eu diria -, serviam-se o tal bolo de arroz frito em óleo de babaçu. Pelo aspecto avermelhado do couro curtido e a forma arredondada de um chapéu de vaqueiro nordestino, recebeu o nome de chapéu-de-couro. Outros o chamam de Orelha de macaco. Não me parece ser um nome apropriado a esse manjar dos deuses.



Pois esse bolinho com aspecto de disco voador tem para mim uma importância muito significativa, caiu nas minhas graças e, sempre que tenho a oportunidade, regalo-me consumindo alguns desses pequenos manjares. E uma dessas oportunidades se dava quando minha mãe me visitava aqui em Teresina. Apesar dos protestos de que a massa ideal para se fazer o gostoso bolinho somente é obtida ao pisar o arroz diretamente no pilão – arroz colocado de molho no dia anterior - sempre conseguia empurrá-la para a cozinha, usando como ingrediente a massa de arroz adquirida nos supermercados. E na frigideira repleta de óleo fervente ela se esmerava na feitura dos bolinhos que tanto agradam ao meu paladar, esquecendo-se da qualidade da massa utilizada. Nesses dias, sentia-me uma criança a se deliciar com esses petiscos com gosto de passado.



Outra oportunidade que eu tenho de matar essa saudade eterna é quando vou ao meu Curador. No mercado central ainda é possível encontrar os chapéus-de-couro do jeito que se fazia na minha época de criança. Trata-se de uma tradição na minha região, herança passada de mãe para filha em algumas casas maranhense, com o cuidado de um segredo industrial. Seguindo esse principio culinário, uma tia minha, de saudosa memória, passou a sua receita para uma nora. E esta perpetuou o costume e me contemplou com algumas dessas deliciosas iguarias algumas vezes quando fui à cidade.



Encontrei em Alcântara, bela e paradisíaca cidade litorânea maranhense, quando lá estive certa vez, uma iguaria também de sabor espetacular. Assediado por alguns garotos que vendiam uma espécie de pequeno doce em bacias de alumínio muito limpas e brilhantes, fiquei curioso e resolvi adquirir alguns. Ao descobrirem a bacia, verifiquei que ela continha uma grande quantidade de pequenos bolinhos em formato de vírgula, oblongas, com aquele pequeno rabicho puxado para baixo. Perguntado sobre o que continham, soube que era uma espécie de doce-de-coco revestido com massa de trigo frito em óleo fervente. Como também aprecio enormemente um doce, seja de que tipo for, resolvi provar o petisco. Quase cai para trás. Tratava-se de uma das mais saborosas iguarias que já tive a oportunidade de apreciar. E logo, atraídos pela interjeição emitida por mim, meus filhos e minha mulher resolveram também provar a guloseima. Ficaram extasiados também, como seria normal que ficassem. Logo, não sobrou um só dos bolinhos na bacia e o garoto voltou feliz para casa. 

Depois disso, fomos abordando os pequenos vendedores que íamos encontrando pelo caminho para adquirir mais alguns bolinhos para fazer estoque e transportá-los até o hotel em São Luís, onde nos achávamos hospedados. Pena serem tão poucos. Duraram pouco tempo também. Ficou o desapontamento por não termos adquirido mais. Antes que me esqueça: o nome do manjar é Especiaria. Nunca mais me deparei com um deles. Somente são encontrados em Alcântara e arredores. É parte da tradição local.



Pois é. Cada região tem o seu pequeno tesouro alimentar, a sua iguaria inigualável. Assim, na cidade da minha infância, tenho o meu apetecível e inesquecível bolinho Chapéu-de-couro. Consumir uma porção deles mata de uma só vez a saudade da minha terra e dos meus entes queridos, e traz para o presente, aquele gosto de passado e de confiança na eternidade. São coisas simples assim, adquiridas com poucos reais, que fazem com que a vida permaneça cheia de graça. Nesses momentos, bate-nos aquele desejo de ficar por aqui mais alguns bons pares de anos.   

2 comentários:

  1. Excelente crônica no formato volta à infância. Texto limpo, claro, simples e profundamente versátil na abordagem do cenário.
    Você, José Pedro, é um artesão no uso lapidado da palavra.
    Gosto muito dos seus escritos!
    Abraços
    Remy Soares de Carvalho
    Axixá do Tocantins, 3.1.2019

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    1. Obrigado, meu amigo. Nesse campo de exíguos leitores e parcas amizades, palavras como a sua alimentam o espírito de um operário que teima em não deixar morrer de inanição a história do nosso passado simples, mas de muita luta.

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