José Pedro Araújo
A
história relata que em apenas dois estados nordestinos Lampião não andou: Piauí
e Maranhão. Muito embora já exista uma teoria de que o bandoleiro andou mostrando
as unhas e as armas na região de Picos, sudeste do Piauí. Nos outros sete estados, o chamado rei
do cangaço praticou suas correrias, levando pavor aos inimigos e admiração aos
que o queriam bem. Por aqui, porém, só mesmo as notícias de suas estripulias chegavam,
e assim mesmo com muito atraso, sempre conduzidas por algum novo retirante que
aqui chegava tangido pela seca ou pelos inimigos.
Entretanto,
nos primórdios da nossa história, mais precisamente por volta de 1918/19, mesmo
ano em que Lampião
iniciou a sua saga em
Serra Talhada(PE), um cidadão também originário das caatingas
nordestina passou a ser muito comentado na região central do Maranhão. Homem de gestos afáveis e palavreado manso e
estudado, adquiriu o hábito de nos amedrontar quando ocupava o nascente e
diminuto povoado do Curador, hoje Presidente Dutra, com um bando de homens
armados até os dentes. Chamava-se Manoel Bernardino de Oliveira e era
originário do Crato, no Ceará. Aqui aparece a primeira divergência sobre a história
de Bernardino. Alguns afirmam ser ele originário do Piauí, enquanto colhi de um
de seus familiares, uma neta sua que residia no Rio de Janeiro, a informação
que ele era nascido no Crato, possivelmente na comunidade do Caldeirão Grande,
um assentamento composto por revolucionários sob o comando do beato José
Lourenço.
Este
homem, de porte pequeno e murcho de corpo, possuía um caráter avolumado. Com
isso, intimidou os poderosos da época, chegando ao desplante de ameaçar invadir
São Luis do Maranhão à frente de seus homens. Nessa ocasião, causou verdadeiro
pavor na população da capital e fez com que o governador de então mobilizasse
todo o seu aparato militar para defender a cidade. É claro que tudo não passou
de uma jogada de marketing do Lênin
maranhense, como passou a se chamar. Precisava ser conhecido pelo povo da
capital, uma vez que nos sertões seu nome já corria solto.
Preciso
fazer um parêntese aqui para dizer que não tenho qualquer simpatia por coronéis
ou pretensos heróis. Para mim, ambos possuem a mesma índole belicista, pensam
do mesmo modo, agem de modo igual, apenas se dirigem ao povaréu com linguagem
diferente.
Já
discorri sobre o caso Manoel Bernardino no meu livro Viajando do Curador a Presidente Dutra – história, personalidades e
fatos, mas, volto ao tema para
reforçar o assunto, pela importância histórica que ele teve para a nossa cidade e a nossa
região. Por esse tempo, o Curador não passava de um aglomerado de casas
rústicas, comércio incipiente e população diminuta e pobre. Pois o senhor
Manoel Bernardino resolveu bater de frente com as autoridades da região,
armando uma cabroeira que, em determinada época, chegou a somar duzentos
homens. Era um contingente muito maior do que o que Lampião conseguiu juntar no
auge das suas peripécias, quando não ultrapassou a marca de cem homens sob seu comando.
Assim, montado sobre a desculpa da incompatibilidade com as autoridades da
época, Bernardino passou a praticar suas correrias em toda a região dos cocais,
ocupando vilas e saqueando comércios e fazendas. O Curador foi ocupado algumas
vezes por sua tropa armada. E nessas ocasiões, a localidade ficou completamente
vazia. As famílias abandonavam suas casas, deixando as panelas no fogo e as
portas escancaradas, e embrenhavam-se no mato, fugindo do homem a quem tratavam como
revoltoso. Essas queixas ouvi em
depoimento de algumas pessoas que presenciaram a sua chegada arrogante ao
Curador.
Os
comerciantes, principais alvos do bando armado, deixavam seus comércios à
disposição dos invasores e sumiam com algum recurso que por ventura pudessem
carregar consigo. Terreno ocupado, iniciava-se a festa. O grupo aproveitava a Vila
vazia, praticava o saque, espalhava no meio da rua o que não queria
levar, e depois conclamava o povo, que se escondia próximo, para ouvir a sua
peroração política. Alguns se enchiam de coragem e atendiam ao chamado. Depois, ele distribuía parte do saque com os ouvintes
e discursava para a plateia absorta, despejando sobre eles o velho e surrado discurso da
igualdade entre as classes. Acabado o show, voltava para o seu esconderijo na
Mata do Nascimento, hoje cidade de Dom Pedro, com farto butim.
Em
uma dessas vezes, e logo depois da sua partida, chegou ao povoado o capitão
Sebastião Gomes com seus homens. Procedia da região da Graça de Deus, localidade
onde ficava sua fazenda, para tentar botar ordem no lugar. Gomes ocupava o
cargo de subdelegado na região. Chegou tarde demais. O Lênin já havia se
retirado. Mas ainda teve tempo de chamar à ordem os que se locupletaram com a
mercadoria roubada pelos revoltosos. Conta-se que o couro comeu solto. Muita
gente apanhou e teve de devolver os bens apropriados indevidamente. Mas, esta é
outra história. Fará parte apenas do subconsciente imaginário?
Bernardino,
formado na escola do Padre Cícero Romão Batista, religioso que ficou famoso
também pela amizade que detinha com Lampião, e que também participou de todos
os movimentos e convulsões sociais que aconteceram na região do Crato naquela
época, veio para o Maranhão com uma missão. Sobre esse ponto, também discorri
no meu livro. Aqui tentou, com métodos que muito se assemelhavam aos dos cangaceiros
da sua época, implantar um novo regime de governo entre nós. Aproveitava-se da
dificuldade de acesso e do isolamento da região em relação à capital, São Luis,
para espalhar suas ideias revolucionárias.
Só
não contava com a capacidade de resistência dos legalistas. A história é
testemunha do que ocorreu, depois. Bernardino teve o seu reduto atacado por
forças policiais em um momento em que se encontrava ausente, acompanhado da maioria
de seus homens. E os mais humildes, como sempre acontece, pagaram por alugar
seus ouvidos ao discurso esquerdista. Mas também sobrou para os bernardinistas. Oficialmente morreram
quatro pessoas nesse ataque, todos ditos revoltosos. Há quem afirme que foram
dezesseis as mortes.Bernardino, porém, reclamou apenas a falta de dois homens seus que sumiram sem deixar rastro.
O
fato, é que o nosso revoltoso-cangaceiro não logrou muito êxito na sua
tentativa de implantar um regime socialista na região da mata maranhense. Incomodou
muito os poderosos da época, ocupou vilas e arruados, chegando até mesmo a interromper
as comunicações da capital do estado com o alto sertão, aquartelando-se entre
os municípios de Pedreiras e Barra do Corda, maiores cidades da região. Mas,
terminou sua vida no abandono, esquecido por seus seguidores, velho e alquebrado,
vivendo do que retirava da pequena propriedade que possuía no Centro dos
Bernardinos, município de D. Pedro. Terminou assim, tristemente, o sonho do
cidadão que liderou o maior contingente de homens armados dos sertões do Maranhão
e que um pensou implantar um novo regime de governo na região.
Manoel
Bernardino virou mito, contudo. O tempo cuidou de restabelecer-lhe o nome e o público
jovem, sempre em busca de um nome para seguir e/ou prantear, elevou-o ao patamar
dos heróis. O quadro histórico está sendo repintado por estes com pinceladas do
mais puro revisionismo. A história ainda revelará a natureza desse homem de
vida simples, mas ousado, que, ao misturar religião com política, consolidou
uma imagem mística e revolucionária no seio de uma comunidade pobre e desassistida.
Uma imagem que está sendo reconstruída pelos mais jovens com grandes lances de heroísmo
e uma pitada considerável de ficção. Fato idêntico está acontecendo com a
figura de Lampião, a antigo rei do cangaço, que passou a ser adorado pelo povo
de Serra Talhada e considerado agora um paladino da justiça.
Dr. Araújo, desconhecia que existia um "lampião dos cocais maranhenses". Muito interessante a história de Manoel Bernardino. Parabéns por esta importante crônica. F. Carlos
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluirExcelente conteúdo, reminiscencias esquecidas pela história oficial. Sua contribuição para o conhecimento do passado do seu querido Curador, hoje Presidente Dutra, tem sido realmente digna de constar de todos os acervos oficiais. A propósito, você já pesquisou a razão do antigo nome "Curador"? Fernando Fontenelle
ResponderExcluirhttp://www.cchla.ufpb.br/ppgh/2010_mest_giniomar_almeida.pdf
ResponderExcluirEsta é minha dissertação de mestrado sobre Manoel Bernardino.
Essa imagem q ilustra essa postagem e no Ceará juazeiro do norte
ResponderExcluirPois, meus parabéns! Escrevi um livro de nome "CODINOME BEIJA-FLOR" sobre um filho do Ceará, que ingressou na luta armada, Fala lá dos cangaceiros do Lampião e dos "cadeirões" , inclusive o do Frei Lourenço. Sabia da fome, e da tinta socialista do modelo que abrigava aqueles retirantes, mas não tinha uma noção exata dos reflexos ideológicos deixados pela experiência no sertão. Gostaria de ler seu livro sobre o Bernardino. Onde posso encontrá-lo
ResponderExcluirTenho um amigo que o bisavô dele fazia parte do bando de lampião, inclusive a família tem as roupas de couro dele e o cantio de alumínio amassado pelo joelho dele quando se apolhava pra atirar com um fim do cangaço ele foi morar em presidente Dutra
ResponderExcluirQuem é essa pessoa?
ResponderExcluirTenho duas crônicas no blog sobre o assunto cangaço. "Lampião não morreu" e Lampião esteve no Piauí?
ResponderExcluirTenho documentos q mostram sua passagem p São Raimundo Nonato no ano de 1927
ResponderExcluirManoel Bernardino era um homem bondoso e religioso,errou porque sonhava em acabar a miseria em que encontrava os sertanejos.Porem a mentira e a inveja. dos poderosos foi mais forte. E sempre ia existir pessoas que puxam brasas para as elites e sao contra os pobres.
ResponderExcluirE vc é descendente desse governador que mandou fuzilar os pobres colonos do MA.Devia ter vergonha do que escreve enaltecendo essa elite criminosa.
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