Foto Cortesia de Teresinha Sereno |
Nesse período que antecede o Carnaval,
fica impossível não recorrer à memória buscando lá do fundo as lembranças de
anos passados, quando esta festa tinha outro significado, outra conotação. Se
nos dias de hoje a maior festa popular do país é animada pela música baiana e
seus trio-elétricos portentosos, naqueles tempos as marchinhas carnavalescas davam
o tom e comandavam a animação, tocadas por orquestras de instrumentos de sopro.
Era realmente uma festa da família. E nessa ocasião em que, desde os mais
velhos até os de mais tenra idade, vestiam suas vistosas fantasias costuradas
em casa mesmo e saiam para a rua ao encontro dos amigos para formar grandes
cordões e blocos de sujo, a simplicidade tomava conta da festa. Era o que se pode
chamar de uma verdadeira festa popular.
Formado à partir do entrudo português, o carnaval ganhou ares de verdadeira
festa do povo quando chegou ao Brasil ai por volta do século XVII. Ai então, à Colombina
e ao Pierrot, figuras advindas dos carnavais da Itália e da França, receberam a
companhia de outros personagens importantes como a Porta-Bandeira e o
Mestre-Sala; a mulata de requebrado estonteante e o passista de elegantes volteios
e meneios deram um novo apelo àquela festa que a nobreza europeia inventou e festejava
em suntuosos salões. No Brasil ela ganhou as ruas e o povo aderiu em escalas
monumentais.
Recorrendo à memória, me vem à lembrança
personagens locais inesquecíveis como o Polaco, que nos quatro dias de folia se
transformava completamente, deixando de lado a sua sisudez habitual para organizar
o carnaval da cidade, ainda incipiente, é verdade, festa de cidade pequena
mesmo, mas que empurrava para as ruas grande parte da população inebriada pelo
som de marchinhas como Mamãe Eu Quero, Aurora, Bandeira Branca, Cabeleira do
Zezé e Máscara Negra, esta a mais bela das músicas carnavalescas.
Com fantasias simples, feitas de chita
barata, alguns foliões saiam às ruas vestidos de fofão ou com roupas femininas
espalhafatosas e máscaras horrendas, transportando uma porção considerável de
pó-de-arroz, maizena ou latas de talco, cobrindo tudo de branco e aterrorizando
as crianças com suas caras feias. Mas despejavam alegria e espantavam a tristeza para longe, nesses poucos dias de
total liberdade que o povo brasileiro decretou como um tempo para se esquecer
as mazelas da vida.
Com o tempo, seguindo o exemplo dos carnavais
de cidades como o Rio de Janeiro, Recife e São Luís, foram surgindo os blocos
mais organizados, com seus foliões vestindo vistosas fantasias, acompanhados
por bandas de música bem estruturadas e ruidosas. Já era até possível adquirir
nas lojas da cidade material apropriado para a confecção de fantasias e
adereços, além de instrumentos musicais. Foi nessa época que os rapazes da
chamada sociedade presidutrense, formaram um grande bloco no estilo das escolas
de samba carioca. Munidos de surdo, tarol, tamborins, cuícas, repique-de-mão,
cavaquinho e chocalhos, foram para as ruas. Não me recordo o nome que lhe deram
- Pingo d’Água? - mais lembro que foi a primeira experiência feita para
organizar um bloco de carnaval na essência da palavra. Depois disso, segunda
metade dos anos sessenta, as meninas da sociedade colocaram na rua o seu bloco
também. E desse bloco me lembro muito bem o nome: As Intocáveis. Vestiam-se elas
de Bobas-da-corte ou Colombinas, não sei ao certo, e saíram brincando pela
cidade com graça e desenvoltura. As fantasias bem elaboradas, e econômicas no
tamanho, levaram os rapazes ao delírio.
Mas ainda não estava completamente formada
a maior festa popular da cidade. Ela se completou com um bloco que faria furor
nos anos subsequentes: o Bloco do Cobra-Preta.
Um comerciante local estabelecido no
mercado municipal, conhecido por todos pelo nome de Cobra-Preta, foi o organizador
do maior bloco de carnaval que a cidade já viu. Formado, a princípio, pelas
classes mais pobres, este bloco chegou a arrastar verdadeiras multidões quando
saia nas tardes de domingo. Com o tempo, a chamada elite local também se rendeu
ao charme e à animação do bloco, engrossando ainda mais o número dos seus
seguidores. O carnaval democratizava a sua festa de uma vez por todas, juntando
os mais abastados com a plebe rude, o povão. Até mesmo os componentes dos
blocos de sociedade, formados pelos rapazes e moças ditos bem nascidos - e que
desfilavam sempre em primeiro lugar - ao terminarem seus desfiles voltavam para
a área de concentração para se juntar ao Bloco do Cobra-Preta. Formavam uma
mesma massa compacta. Nessa ocasião, milhares de pessoas de todas as raças e
condições econômicas se esbaldavam na alegria contagiante do bloco do velho e
saudoso carnavalesco.
E para demonstrar a sua democracia plena,
até mesmo as tais mulheres da vida, sempre tão discriminadas pela sociedade hipócrita
durante todo o ano, possuíam o seu lugar de honra e se integravam alegremente
ao maior bloco carnavalesco da cidade.
Os carnavais de outrora traziam, nas manifestações espontâneas do povo, uma mensagem simplória que vinha do inconsciente coletivo das massas. A evolução dos processos de comunicação influenciou demasiadamente a cultura, até mesmo nos mais distantes rincões e o carnaval deixou de ser aquela festa onde a criatividade das fantasias e adereços refletia a alma popular na sua mais singela face. Sua fototeca, caro companheiro Araújo, está digna de elogios e acho que em breve recorrerei à sua prestimosa ajuda para ilustrar algum trabalho.
ResponderExcluirAhAhAh! Estamos ai para tentar ajudar! Sou também um saudosista. Reclamo a falta das coisa boas do passado. Embora não negue que o futuro nos trouxe muitas coisas interessantes, temo por essa avassaladora mudança tecnológica e dos costumes.
Excluir