segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

A viagem









(Chicoacoram Araújo)

Rumo à cidade grande. Quatro ou cinco horas de viagem; cerca de 130 quilômetros. O caminhão partiu levando uma família cheia de esperança. E na carroceria, uma pequena e modesta mobília, e um menino que se acomodara entre os rústicos móveis. Era o mais velho dos quatro irmãos. Tinha oito anos de idade. Sorriu abobalhado em face de sua primeira viagem, sobretudo pelo fato de ser transportado em cima de um caminhão. Este era seu sonho - andar de carro, momentos raros naqueles tempos de infância. Seus pais, as outras crianças e o motorista se apertaram na boleia do veículo. Seguiram viagem, incertos do futuro certamente.
Na estrada empoeirada, o menino encantava-se com tudo o que via. Às margens da rodagem, as árvores pareciam correr em extraordinária velocidade. Viu pássaros que sobrevoavam as matas, destacando-se um bando de periquitos de cor verde e amarelo em patuscada algazarra. Um nambu correndo no mato. Um astuto carcará pousado em cima de um Jatobá espreitando sua presa. Flagrou um fugaz preá que atravessara a estrada rumo ao capinzal. Mais adiante, uma velha palmeira lascada por um violento corisco no meio do babaçual.  Casas de palha e roças plantadas com milho, arroz, melancias e outros legumes, ficavam para trás. Um homem aboiando seu pequeno rebanho de bois também ficou. O sol no poente, resplandecente. O arrebol ao entardecer. Tudo passaria em breve.
Anoiteceu. Não se presenciou mais nada, apenas uma escuridão sem fim. À frente, os faróis do caminhão alumiavam o caminho com sua clara luz ofuscante. Agora, o semblante do menino era de tristeza e de uma profunda melancolia. Lembrou-se da sua casa de adobe às margens do Marataoan, da escola na antiga capela da Boa Vista, dos parentes e dos amigos. Tudo ficou para trás; apenas saudades.
Quatro horas de viagem. A noite era silenciosa e misteriosa. Ouvia-se apenas o barulho causado pelo atrito dos pneus do veículo no chão de piçarra. O garoto sentiu-se cansado e com medo. Para ele, as silhuetas das árvores, na escuridão, transformavam-se em monstros do outro mundo. Tudo era medonho. Cochilou por alguns instantes sobre um velho colchão de palha de milho da cama dos pais. Acordou atordoado quando do balanço do caminhão. Estavam em uma curva.
Recobrado do sono, o garoto não olhou para os lados e nem para trás. Fixou seu olhar firmemente para frente, desejando que afinal a viagem chegasse ao seu destino. Não demorou muito quando, muito além das sombras distantes, avistou clarões que pareciam luzes remanescentes produzidas por relâmpagos em noites de fortes temporais. A claridade expandia-se rapidamente. Então, seu pai gritou lá da cabine, dizendo que estavam chegando à Capital. Começo de uma nova vida; o que se foi não voltará jamais.

2 comentários:

  1. Muito boa esta crônica. Sucinta, mas conta bem o êxodo de uma das muitas famílias que fizeram esta viagem em busca de melhores dias.

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  2. Verdade. O Chico foi muito feliz e externou com muita alma a vinda para a capital. E você, quando vai publicar algo aqui, Fernando?

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